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Belo Horizonte e a volta às aulas das crianças

O Município de Belo Horizonte, conforme divulgado por seu prefeito em 26 de janeiro de 2022, decidiu adiar o reinício das aulas para as crianças de 5 a 11 anos. No dia 6 de fevereiro esse ato foi suspenso por uma decisão liminar da Vara Cível da Infância e da Juventude da Cidade. Agora, as famílias e as escolas devem aguardar um eventual recurso e a análise do Tribunal de Justiça de Minas Gerais antes da data sugerida para o retorno, dia 8 de fevereiro.


A determinação do Município foi divulgada no sentido de que as aulas das escolas da rede pública e as instituições privadas que começariam em 02 de fevereiro deveriam suspender as atividades presenciais até 13 de fevereiro.


A suspensão gerou previsível descontentamento e discussão entre pessoas que acharam prudente a medida e pessoas que entenderam ser desnecessária ou exagerada.


O contexto que levou o Município a suspender o reinício das aulas presenciais está descrito nos considerandos do Decreto Municipal nº 17.856/2022, que, além do estado de calamidade juridicamente posto, enunciam os seguintes motivos:


  • análises sistemáticas dos indicadores epidemiológicos e de capacidade assistencial relativos à COVID-19 disponibilizadas no Portal da Prefeitura de Belo Horizonte, que indicam o aumento significativo do número de casos e de internações nas últimas semanas;

  • a imperiosa necessidade de mais tempo, antes do retorno às aulas presenciais, para viabilizar a vacinação de crianças da faixa etária de 5 a 11 anos, ampliando a cobertura vacinal da população, a fim de prevenir a disseminação da doença e proteger a saúde de alunos, familiares, professores e funcionários de instituições de ensino públicas e privadas;


Tal contexto era notório e, para alguns, muito claro. Acontece que o Ministério Público de Minas Gerais entendeu que o ato caracterizava descumprimento de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Assim, após abrir procedimento apuratório, dialogar e notificar o Município, sem êxito, decidiu propor ação judicial, que não foi a primeira aberta sobre o tema, mas foi a que obteve o primeiro êxito, no domingo, dia 6 de fevereiro, com o deferimento do pedido liminar para suspender o Decreto.


Como consta da decisão, foi alegado descumprimento do TAC por:


a) inobservância dos matriciamento de risco (MR) elaborado pela Secretaria Municipal de Belo Horizonte; b) inobservância do critério publicizado de que escolas seriam as “últimas a fechar”; c) violação ao princípio da proporcionalidade e esvaziamento do direito fundamental à educação”.

E, ao final, foi concedida liminar, com efeito a partir de 08 de fevereiro, para:


"… suspender os efeitos do Decreto n.º 17.856/2022, e permitir o retorno às atividades escolares, dos estabelecimentos de ensino, voltados para atendimento das crianças na faixa etária de 5 a 11 anos de idade, tanto da rede pública quanto da rede privada."

A decisão vai agradar parte dos pais e dos responsáveis por escolas e outros não vão entendê-la ou vão achar absurda a disputa por 4 dias a mais de aulas presenciais.


De início, é preciso dizer que o magistrado foi cuidadoso, diferiu a eficácia de sua decisão por um dia para permitir que o Município recorra e o Tribunal se manifeste. Porém, no nosso entendimento, essa cautela convive com desnecessária insegurança gerada por argumentos que parecem meramente formais, alheios a um fato simples que as crianças logo podem estar vacinadas.


De fato, parece interessante perquirir se o Ministério Público não foi assim tão enfático para exigir o início da vacinação das crianças no final de 2021, logo que a ANVISA permitiu o uso de imunizante para crianças. E, se foi, porque logo depois se viraria contra quem decidiu declaradamente em virtude desse atraso no início da imunização infantil.


Certamente, deve ser sopesado que ninguém deve descumprir um TAC e que ele é similar a um contrato, mas contratos modernos — que reconhecem a “obrigação como processo” — não são meras promessas desvinculadas da dinâmica dos fatos.


Um termo assinado em junho de 2021 não contemplava a realidade criada pela nova variante do vírus causador da COVID (a ômicron foi detectada e estudada em novembro de 2021); a constatação do aumento da infecção das crianças na Europa no final do ano; ou mesmo um atraso no início da vacinação de crianças no Brasil.


Paralelamente, é possível entender que a alegação de que “as escolas seriam as últimas a fechar” se refere a um contexto no qual houvesse amplo lockdown. Por lógica, é possível deduzir que a afirmação de que as escolas “seriam as últimas” pressupõe que outras atividades parariam antes, portanto não se aplica a uma situ-ação em que só as escolas param. Ou seja, parece claro que as escolas seriam as últimas a fechar se o risco não fosse diretamente associado a seu funcionamento.


Por fim, o argumento de que há violação da proporcionalidade só caberia se houvesse uma suspensão longa ou de outras atividades educacionais, não afeta-das, diretamente, pelo atraso da vacina. E a alegação de que seria completamente esvaziado o direito à educação não resiste ao fato de que é possível atividade a distância (conforme Portaria 1.030, do MEC) e até mesmo uma simples alteração de calendário.


E tudo isso pode ser rebatido sem acrescentar que nos últimos dias o Brasil teve novamente a terrível marca de 1000 mortos por dia e que, por comparação com outros países, há um indicativo de que estamos no pico, ou perto dele, dos efeitos da ômicron.

Portanto, talvez não sejam contundentes os argumentos do Ministério Público, nem convincente a bem intencionada e, repita-se, cautelosa, decisão judicial.


Agora, resta aguardar a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e in-formar, reiteradamente, às Instituições de Ensino, que a decisão final cabe a elas, conforme já mencionamos em artigo.


Enfim, a urgência com que todos estão agindo demonstra o quanto Belo Horizonte e o Ministério Público se preocupam com saúde e educação, eis aí o ponto positivo de toda essa disputa. Esperamos que depois dessa crise, quando ela acabar de verdade, todos tenham projetos urgentes para essas áreas, com menos contenção orçamentária e mais visão de futuro do que em momentos anteriores. Estudantes que não convivam com riscos a sua saúde, física e mental, são tudo o que todos queremos ver nas escolas.


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