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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

Como funciona a Residência Médica no Brasil

A residência médica foi instituída em 1977, pelo Decreto nº 80.281, e mais tarde regulamentada pela lei no 6.932, de julho de 1981, sendo uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos. Quando cumprida integralmente, dentro de determinada especialidade, confere ao médico residente o título de especialista.

Ela não é obrigatória ao graduado em Medicina, mas é considerada a forma de especialização mais eficiente do país, pois caracterizada por treinamento em serviço em regime de dedicação exclusiva, funcionando em instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de alta qualificação ética e profissional.

A expressão “residência médica” pode ser empregada apenas em programas que sejam credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica (CRNM), formada pelos Ministérios da Saúde, Educação e Previdência Social, e por entidades médicas, como o CFM e as certificações de especialidades concedidas pelos Programas de Residência ou pelas associações médicas submetem-se sempre às necessidades do SUS.

Neste rumo, os programas de Residência Médica serão desenvolvidos, preferencialmente, nas áreas da Clínica Médica; Cirurgia Geral; Pediatria; Obstetrícia e Ginecologia; Medicina Preventiva e Social.

O ingresso na Residência Médica

O graduado em Medicina, para poder ser admitido em qualquer curso de Residência Médica, precisa se submeter a um processo de seleção determinado pelo programa aprovado pela CNRM; quando admitido como médico residente, já com previsão de início e término da residência, passa a receber uma bolsa paga pela instituição responsável pelo programa. Essa bolsa atualmente corresponde a R$ 4,1 mil mensais.

A principal fonte de receitas das bolsas é o Ministério da Saúde, mas o Ministério da Educação pode financiar bolsas especificamente em hospitais universitários federais. Existem, também, bolsas pagas por governos estaduais, prefeituras, hospitais filantrópicos e privados.

Vale especificar que a remuneração durante a Residência Médica não é um salário e sim uma bolsa de auxílio, não existindo vínculo empregatício com o hospital ou instituição relacionada à vaga, nos mesmos moldes das bolsas de estudos ou bolsas de pós-graduação, mestrado ou doutorado. Não há, portanto, décimo-terceiro salário, vale-refeição ou vale transporte.

O médico residente se filia ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como contribuinte individual e tem as licenças deste regime garantidas. Toda instituição de saúde responsável por programas de residência médica deve oferecer ao bolsista, durante o período de residência, condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões; alimentação; e moradia, conforme estabelecido em regulamento.


E a legislação prevê uma carga horária de, no máximo, 60 horas semanais, incluindo 24 horas de plantão, descanso obrigatório de 6 horas após plantão noturno de 12 horas e, ao menos, um dia de folga semanal e trinta dias consecutivos de repouso por ano de atividade.

Sobrecarga

Recente reportagem publicada pela BBC News Brasil mostra que, apesar das regras definidoras do programa, muitas instituições responsáveis pelo programa de residência não respeitam a questão da carga horária máxima destinada aos médicos residentes, exigindo que eles trabalhem bem acima das 60h semanais, sem qualquer tipo de controle de horas.

Desnuda também uma realidade em que os residentes trabalham em outros serviços para complementar a renda, como em plantões em ambulâncias e prontos-socorros, o que aprofunda bastante o cansaço.

Durante a época mais gravosa da pandemia, inclusive, foram muitas denúncias devido a extrapolação de carga horária. Foi um momento em que os serviços estavam congestionados e havia ainda maior escassez de residentes, médicos especialistas e todo o tipo de profissional de saúde para atender à demanda.

Estudo sobre o impacto da pandemia em médicos residentes demonstrou que os estudantes também foram muito afetados neste momento, tanto em relação às expectativas que tinham ao ingressar nos programas de residência, pois foram pegos desprevenidos e não tiveram tempo para se preparar emocionalmente para o que estavam prestes a enfrentar, quanto às diferentes formas de enfrentamento por cada profissional de saúde.

Os médicos residentes, com pouca experiência, precisaram lidar com as condições adversas impostas pela pandemia de Covid-19 durante a formação profissional, apresentando mudanças no comportamento como insônia, irritabilidade, estresse, dificuldade de concentração, perda de satisfação na carreira, pessimismo em relação ao futuro e falta de apetite.

A pesquisa também demonstrou que grande parte deles (43,2%) relatava medo de se infectar com o novo coronavírus, já que lidava – em muitos momentos – com escassez ou inadequação de equipamentos de proteção individual (EPIs).

Vale lembrar que o medo é justificado e traduzido em um extenso número de mortes por Covid no Brasil.

Vagas em programas de residência

A pesquisa mencionada também retrata um tópico importante: não há vagas em programas de residência para todos que se formam em Medicina. Os dados apontam que, em 2019, havia oportunidade de especialização para apenas 79% dos novos CRMs registrados no ano.

E o número de residentes acompanha a desigualdade no número de médicos por mil habitantes nas regiões do país. Por exemplo: durante a pior fase da pandemia, a região Norte sofreu colapsos no sistema de saúde, com uma taxa de 1,3 médicos por mil habitantes, muito inferior à média nacional.

Em 2019, a região Sudeste concentrava 57,3% dos médicos residentes, enquanto o Norte do país registrava apenas 3,7% do total. São Paulo somava 33,9% dos residentes e outras 12 unidades federativas contavam com menos de 1%. Se formos comparar entre zona rural e zona urbana, a diferença é ainda maior, pois 97,5% dos médicos estavam em áreas urbanas.

Considerando, portanto, que o número de residentes acompanha esse desequilíbrio na distribuição de profissionais médicos no país, provocada pela falta de infraestrutura e de centros de formação, entendemos que seria uma excelente política pública a ampliação de vagas também neste setor.

Mais detalhes sobre os programas de residência médica

O programa do curso de Residência Médica deve compreender um mínimo de 10% (dez por cento) e um máximo de 20% (vinte por cento) de sua carga horária de atividades teórico-práticas e, ao final, confere o título de especialista em favor do médico residente nele habilitado. O comprovante habilita o profissional para todos os fins legais junto ao sistema federal de ensino e ao CFM.

A bolsa de residência médica, realizada sempre sob a supervisão de um preceptor capacitado, é a única remuneração prevista durante o programa e o CNRM proíbe todos os outros tipos de plantões para os residentes, ainda que acompanhados por professores.

Mais uma vez: a residência não é obrigatória para se exercer a Medicina. Terminada a graduação, o médico com registro no Conselho Regional de Medicina pode atuar como generalista em consultórios, clínicas e hospitais. Mas só se torna especialista ao término da residência, considerada padrão ouro na especialização médica.

O estudo "Demografia Médica no Brasil 2020" nos mostra que, em 2019, 53.776 médicos cursavam a residência médica no país, em 55 especialidades. A maior parte dos residentes (58,4%) tinha entre 25 e 29 anos, e 30%, de 30 a 34 anos.

O Sudeste, como já mencionamos, concentrava 57,3% dos médicos residentes, e o Norte, o menor percentual deles (apenas 3,7%).

A especialidade médica mais procurada é a Clínica Médica, pelo fato de que ela é pré-requisito para outras áreas de atuação. E a menos procurada é a Genética Médica, com apenas 0,1% de especialistas.

Um fator que influencia no ranqueamento é a pouca oferta de programas em determinadas áreas, demonstrando que talvez falte ao estudante de Medicina oportunidades de carreira por falta de opções e vagas na residência médica.

Vale finalizar frisando que o propósito maior dos Programas de Residência é formar profissionais para o SUS, preparados para atuar em diversas situações e em prol de toda a sociedade. A situação de emergência em saúde pública pela qual passamos recentemente nos faz entender a importância deste programa, bem como do próprio Sistema Único de Saúde, sem o qual o país amargaria muito mais adversidades.


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