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Como uma decisão do STF pode afetar os processos sobre cursos de Medicina?

SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Eu também peço vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio para acompanhar o Relator não só quanto ao conhecimento da ação, mas também quanto à modulação...
SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR) - modulação é importante.
SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Na verdade, é fundamental nesse caso para não provocar insegurança jurídica.
SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR) - No sentido de modular os efeitos da decisão a fim de que sejam considerados válidos os diplomas expedidos pelas instituições envolvidas atingidas por essa decisão até essa data.
SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Acho que tem de ser mais abrangente, porque, na verdade, nós temos cursos em série.

Esse diálogo ocorreu ao final do julgamento da ADI 2501, em setembro de 2008, há quase 15 anos. Na época o Tribunal discutia se as Instituições de Ensino Superior criadas pelo estado de Minas Gerais e dele desvinculadas em 1989 deveriam ser supervisionadas pelo sistema de ensino estadual ou pelo sistema de ensino federal (MEC e CNE). Seguindo o voto do Relator, a Corte Constitucional entendeu que as instituições estavam irregulares e que deveriam se vincular ao sistema federal, porém, foram validados todos os atos por elas praticados por meio de uma técnica denominada modulação.


Naquele caso havia o risco de aproximadamente 30 instituições terem seus atos considerados ilegais, com efeitos extremamente negativos para a comunidade acadêmica, em especial os alunos. Por isso, além da decisão do STF, o próprio MEC se organizou e divulgou o Edital 1/2009, que regulamentou um “regime de migração de sistemas” e definiu a forma como “as instituições e cursos privados que se achavam sob o poder regulatório do sistema estadual de ensino de Minas Gerais” seriam submetidas à regulação federal.


A migração foi necessária porque todos os procedimentos de regulação, avaliação e supervisão das instituições e dos cursos tinham sido conduzidos pelo sistema de ensino de Minas Gerais, sem a participação do Ministério da Educação. Sem ter interferido nos credenciamentos e autorizações de instituições e cursos durante 10 anos, o MEC não tinha como atestar, diretamente, a qualidade da oferta. Por isso, os cursos e instituições foram paulatinamente avaliados e regulados pelos órgãos competentes do sistema federal (MEC, INEP e CNE).


Atualmente há outra discussão no STF sobre autorização de cursos: a ADC 81 e a ADI 7187 tratam dos cursos de Medicina e da possibilidade de serem regulados e avaliados pelo sistema federal, independentemente de chamamento público. Para isso discutem a constitucionalidade de um trecho da Lei do Programa Mais Médicos.


No dia 30 de abril de 2023, houve um andamento importante neste processo. O Ministro Relator abriu prazo para os envolvidos se manifestarem e para o MPF apresentar seu parecer sobre um pedido de tutela provisória incidental da União, apresentado pela AGU. A “tutela provisória” é que o que antigamente costumava ser chamado de “pedido liminar” e seu caráter incidental decorre do fato dele ter ocorrido durante o processo e não, previamente. Portanto, há uma indicação de que o Ministro Relator levará a julgamento, provavelmente no plenário do STF, um pedido para travar as ações que discutem a constitucionalidade do Mais Médicos. Ou seja, há uma perspectiva de que, em poucos meses, ocorra um julgamento provisório sobre o assunto.


Nem a decisão provisória nem o julgamento final devem afetar todas as ações sobre o tema que tramitam hoje. Em primeira e segunda instância existem muitas ações com fundamentos diferentes e várias delas não tem por base constitucionalidade da Lei em questão. A manifestação do Senado(1) nos processos, inclusive, menciona essa diversidade. Entretanto, o julgamento deverá ser um indicativo relevante para o MEC.


Há uma grande probabilidade das ações existentes serem validadas e do STF considerar inconstitucional a regra contestada. Na verdade, há indício de que o processo siga nesse rumo porque os atos já praticados e os julgados internacionais aos quais fez referência indireta indicam que pode haver um voto a favor da liberdade, especialmente porque o mercado esteve totalmente fechado por 5 anos. Porém, como o processo deve ser submetido a plenário, a decisão cautelar - e a final - é incerta. Nesse sentido, pode haver uma decisão que trave as ações e pode ser necessária uma modulação, tal como ocorreu na ADI 2501, citada acima.


A modulação é tão importante para as decisões do STF que o Órgão a considera uma fase específica do julgamento das ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nesse sentido, o Tribunal considera o julgamento de ação de constitucionalidade bifásico. Nas palavras do douto Mininistro Gilmar Mendes: “Nós emitimos um juízo sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade e depois emitimos um juízo sobre - a não ser que haja consenso etc. - a questão da modulação”. Esse posicionamento foi expresso na análise da questão de ordem na ADI 2949, processo no qual o Ilustre Ministro Roberto Barroso descreveu os fundamentos das fases de julgamento:


O juízo de inconstitucionalidade é realizado à luz do princípio da supremacia da Constituição, na medida em que se destina a privar de eficácia jurídica atos inconstitucionais. Já o juízo de modulação dos efeitos se orienta pela ponderação entre dois princípios constitucionais: aquele preconizado no dispositivo constitucional paradigma que se considerou violado e o da segurança das relações jurídicas.

Esta técnica ou fase tem fundamento no art. 27 da Lei 9.868/99 e pode ser aplicado em ações declaratórias de constitucionalidade também a partir do art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), assim regulamentado pelo Decreto 9.830/2019:

Art. 4º A decisão que decretar invalidação de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos observará o disposto no art. 2º e indicará, de modo expresso, as suas consequências jurídicas e administrativas.
§ 2º A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta, consideradas as possíveis alternativas e observados os critérios de proporcionalidade e de razoabilidade.
§ 3º Quando cabível, a decisão a que se refere o caput indicará, na modulação de seus efeitos, as condições para que a regularização ocorra de forma proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais.
§ 4º Na declaração de invalidade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos, o decisor poderá, consideradas as consequências jurídicas e administrativas da decisão para a administração pública e para o administrado:
I - restringir os efeitos da declaração; ou
II - decidir que sua eficácia se iniciará em momento posteriormente definido.
§ 5º A modulação dos efeitos da decisão buscará a mitigação dos ônus ou das perdas dos administrados ou da administração pública que sejam anormais ou excessivos em função das peculiaridades do caso.

No caso das ações sobre cursos de Medicina, se houver uma decisão contrária às teses das ações propostas para abertura de protocolo no MEC, deverá ser aplicada modulação.


Primeiramente, porque há entendimento de que a modulação não é facultativa(2); em segundo lugar porque o cancelamento de todos os atos administrativos praticados pelo MEC e pelo INEP no processo regulatório é desproporcional, desarrazoado e fere os interesses gerais. De fato, não há congruência entre a própria finalidade do processo regulatório, que autoriza cursos de qualidade, e a invalidação de atos que demonstram essa qualidade. Além disso, a própria Lei 12.871/2013, discutida nas ações constitucionais, refere-se ao programa “Mais Médicos”, que busca reduzir a carência de médicos.


Não bastasse esse argumento, durante 5 anos os cursos de Medicina estiveram totalmente travados por meio da Portaria 328/2018. E isso gerou uma situação excepcional, que, por si só, justifica a autorização dos cursos cujos processos foram iniciados por meio de ações judiciais. Sem os cursos de qualidade iniciados por decisões judiciais, o país corre sério risco de retroagir meia década em relação aos objetivos de melhorar o número de médicos por habitantes no Brasil.


Diante desse panorama, é prudente avaliar qual seria a limitação dos efeitos e o corte temporal de modulação, conforme art. 4º, § 4º, do Decreto 9.830/2019. Para tratar desse tema é necessário observar que o parágrafo quinto do referido art. 4º do Decreto prevê a “mitigação dos ônus ou das perdas dos administrados ou da administração pública que sejam anormais ou excessivos em função das peculiaridades do caso”.


Como a administração pública e os administrados aplicam seus recursos desde o momento em que é aberto o protocolo administrativo, esse seria o ponto de corte ideal. A priori, outras fases do processo administrativo regulatório, como a avaliação e o parecer do CNS não deveriam ser considerados, pois já existem investimentos e dispêndio de recursos públicos desde o início do processo.


Além disso, depois do protocolo os atos dependem de impulso oficial, ou seja, de vontade, competência, eficiência e ação do MEC. E se há dependência apenas de atos da Administração Pública, o particular não pode ser penalizado por atrasos ou até por resistência no cumprimento de ordem judiciais.


Ainda sobre o assunto, cabe lembrar que a Lei de Liberdade Econômica reconhece a “vulnerabilidade do particular perante o Estado” e prevê que se interpreta a favor dos investimentos “todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas”. Em paralelo, da perspectiva social, a perda dos recursos públicos já gastos para constatar a qualidade dos cursos não se justifica perante os princípios da eficiência e da economicidade, previstos nos arts. 37 e 70 da Constituição de 1988, respectivamente.


Em síntese, caso o STF decidisse suspender provisoriamente as demandas judiciais, só haveria efetiva mitigação dos ônus dos administrados e da administração pública se considerados válidos todos os protocolos de pedidos de autorização efetivados até a data de uma improvável decisão do STF contra as ações de medicina propostas perante a justiça federal.


Enfim, tal como no caso julgado em 2009, é possível dizer que só haverá segurança jurídica e só prevalecerá o excepcional interesse social nessas circunstâncias. Ou seja, ainda que uma improvável decisão do plenário do STF se volte contra as ações já propostas nas instâncias inferiores, há uma perspectiva de que ocorra uma modulação de efeitos e sejam considerados válidos, no mínimo, os pedidos de curso já protocolados perante o MEC.


(1) Em suas informações, o Senado afirmou: Entende-se, data venia, que a presente ação não possa ser conhecida para suspender eventuais decisões judiciais que não tenham por objeto específico a inconstitucionalidade do art. 3o, mas a eventual ilegalidade da atuação concreta do Ministério da Educação, por ser questão que desborda do conhecimento da presente ADC.



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