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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

CREFITO x MEC: decisões de conselhos profissionais impactam portarias do MEC?

Atualizado: 26 de nov. de 2020

Publicamos nos últimos dias dois textos a respeito da nova Portaria MEC, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais até o dia 31 de dezembro.

A Portaria 544, em breve síntese, concede às instituições flexibilidade para atuarem, desde que não firam as DCN e que as medidas estejam previstas nos projetos pedagógicos, aumentando a abrangência das medidas emergenciais. Faz isso do ponto de vista objetivo, permitindo que sejam aplicadas as regras a novas disciplinas e turmas e do ponto de vista conceitual.


Recomendamos os textos acima, pois traçam uma boa visão sobre a matéria, mencionando inclusive a insatisfação de alguns Conselhos Profissionais que já questionaram em juízo a possibilidade de práticas e estágios serem feitos à distância no período da pandemia.


Pois bem, poucos dias da publicação da Portaria, o CREFITO, Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 8a Região, publicou decisão colegiada em que determina que Instituições de Ensino Superior não podem adotar a substituição da prática profissional de estágio do curso de Terapia Ocupacional por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais, sob pena de infração ao § 3º do artigo 1º da Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, bem como o artigo 7º da RESOLUÇÃO CNE/CES 6, de19 de fevereiro de 2002 e Resolução COFFITO nº 451, de 26 de fevereiro de 2015.



Em Reunião Plenária Extraordinária, pois, os conselheiros acordaram por unanimidade:


“Não expedir a carteira de identidade profissional e o cartão de identificação aos egressos do curso de Fisioterapia que não cumprirem os requisitos para formação integral do profissional em relação a prática de intervenções em diversos cenários de serviço em saúde, conforme previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais e na Resolução COFFITO 431 de 27 de setembro de 2013.
O procedimento acima será́ aplicado também em relação aos egressos do curso de Fisioterapia das Instituições de Ensino Superior que adotaram a substituição da prática profissional de estágio por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais.”

Interessante que o COFFITO determina que as IES não podem adotar a substituição da prática profissional de estágio do curso de Terapia Ocupacional por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais, sob pena de infração:

  • ao próprio § 3º do artigo 1º da Portaria MEC nº 544/20;

  • ao artigo 7º da Resolução CNE/CES 06/02 e;

  • à Resolução COFFITO nº 451, de 26 de fevereiro de 2015.


O art. 1º da Portaria 544 autoriza a substituição; o que diz o parágrafo 3º?


“§ 3º No que se refere às práticas profissionais de estágios ou às práticas que exijam laboratórios especializados, a aplicação da substituição de que trata o caput deve obedecer às Diretrizes Nacionais Curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação - CNE, ficando vedada a substituição daqueles cursos que não estejam disciplinados pelo CNE.”

Em duas partes o parágrafo especifica: que a substituição deve obedecer às Diretrizes Nacionais Curriculares e que é vedada a substituição daqueles cursos que não estejam disciplinados pelo CNE.


As diretrizes curriculares nacionais são os documentos de referência de cada curso na organização e construção dos seus programas. Servem de base para elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos e devem, claro, ser respeitadas no momento da substituição das práticas presenciais pelas não presenciais. Não há dissenso quanto a isso.


A vedação contida no § 3º do artigo 1º da Portaria MEC nº 544/20 se refere aos cursos não disciplinados pelo CNE, ou seja, a proibições expressas ou a incentivos expressos nas Diretrizes Curriculares Nacionais, o que seria bem incomum. A maioria das DCN sequer trata de práticas EAD.


No caso específico da Fisioterapia temos a Resolução CNE/CES 04/02, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso e prevê, no art. 8º:

“O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e praticas independentes presenciais e/ou a distancia, a saber: monitorias e estágios; programas de iniciação cientifica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins.”

Não há proibições de práticas a distância. Pelo contrário.


A mesma Resolução, de forma mais genérica, prevê no art. 13 que a estrutura do curso de graduação em Fisioterapia deverá assegurar que:


“I - as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínico- terapêuticas);
II - estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta;”

Ainda sem entrar o mérito de que a decisão contida nas Portarias/MEC não pode ser atingida por decisões colegiadas dos Conselhos, sejam regionais ou federais, percebemos esse grave equívoco na interpretação da norma do MEC, já que não há nenhum contrassenso da Portaria com o previsto pelo CNE.


O mesmo se aplica ao curso de Terapia Ocupacional, outro tutelado pela COFITTO. Na Resolução CNE/CES 6/02 existe um artigo 8º igual ao transcrito acima e as disposições sobre prática também são similares.


Isto posto, deve ficar claro que a definição dos componentes curriculares que serão substituídos e a realização de avaliações durante o período da substituição será de responsabilidade das instituições. Não há permissão legal para nenhuma ingerência dos Conselhos.

Também vamos frisar que os estágios sequer estavam proibidos antes da Portaria 544/20; o que era vedado era a substituição das atividades práticas que deveriam ser realizadas de forma presencial nas instalações das IES.

Estágios em empresas, hospitais particulares e outros que se realizam fora da instituição – incluindo, claro, o curso de Fisioterapia - seguem as regras locais e trabalhistas, cabendo à instituição seu reconhecimento como atividade complementar ou estágio regular, dentro dos convênios ou acordos celebrados e conforme o Projeto Pedagógico do Curso.

Em relação a estágios nessa área, voltamos a frisar que existe inclusive uma parte de conteúdo teórico dentro de disciplina prática e esse conteúdo pode, sim, ser realizado de forma não presencial.


Portaria MEC nº 492/2020


Outro ponto relevante é que, especificamente em fisioterapia, os estágios estão expressamente permitidos pela Portaria MEC nº 492/2020.

Esta norma prevê:

“Art. 6º Os alunos dos cursos de graduação em Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia participarão da Ação Estratégica, em caráter excepcional e temporário, por meio da realização do estágio curricular obrigatório, observados os requisitos previstos na Portaria nº 356/GM/MEC, de 2020, nesta Portaria e no edital de chamamento público”.
[…]
“Art. 11. Os alunos dos cursos de graduação em Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia que não preencham os requisitos previstos nos arts. 6º a 8º poderão participar da Ação Estratégica, em caráter excepcional e temporário, de forma voluntária, nos termos do edital de chamamento público”.

Causa estranhamento o fato de que essas regras, que criaram o projeto O Brasil Conta Comigo, são muito mais claras que a portaria 544, mas o COFFITO nada disse em relação aos estágios.


Agora, face a norma, misturando prática em geral com estágio, o COFFITO diz que não expedirá registros para alunos de instituições que optaram pela “substituição da prática profissional de estágio do curso de Fisioterapia por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais”.


Por certo o problema, justificável até pelo preconceito existente, é uma interpretação de que o estágio é presencial e na resolução 544 haveria possibilidade de estágio a distância. Se assim for, trata-se de uma visão estreita e absurda em relação ao contexto atual, no qual muito profissionais atuam por meio de videoconferência e vários estudantes são orientados com uso desse tipo de ferramenta.


Portaria MEC nº 544/2020 x decisões dos Conselhos x autonomia das IES

Ainda que a decisão colegiada dos Conselhos Profissionais pudesse contrariar uma determinação oriunda do Ministério da Educação, já verificamos que a proferida pelo CREFITO 8ª região não se sustenta.


Aqui temos um impeditivo ainda maior, qual seja, o de que o poder de decisão dos Conselhos não permite contrariar Portaria do Ministério da Educação.


Os conselhos profissionais possuem natureza jurídica de autarquia com função específica de fiscalização profissional e devem respeitar a legislação federal proveniente do MEC.


A Nota Técnica SERES/MEC 392/2013 explicita bem a situação:

“... O Parecer CNE/CES n­. 136/2003 dispõe sobre esse tema, reafirmando competir aos respectivos Conselhos Profissionais estabelecer requisitos para o efetivo exercício da profissão, ressalvadas as competências do MEC referentes à formação acadêmica:
...
Com efeito, as condições para início de exercício profissional não residem no diploma, mas no atendimento aos parâmetros do controle de exercício profissional a cargo dos respectivos Conselhos.”

Na mesma Nota Técnica o MEC é considerado o guardião do padrão de qualidade da oferta do ensino no país, o que ocorre em duas vertentes, a da regulação e a da supervisão dos cursos, sendo ao órgão atribuída a área educacional, incluindo a determinação das condições de oferta, critérios e procedimentos de avaliação da aprendizagem, requisitos para a matrícula e aproveitamento de estudos e de competências constituídas, bem como para a expedição de certificados e diplomas.


Sobre o tema, inclusive, existem decisões judiciais que afirmam a incompetência dos Conselhos Profissionais para tratar da validade de cursos, dentre elas cabe destacar julgado do STF, que, em 2012, asseverou que: “Aos conselhos profissionais, de forma geral cabe tão-somente a fiscalização e o acompanhamento de atividades inerentes ao exercício da profissão, o que certamente não engloba nenhum aspecto relacionado à formação acadêmica” (RMS 27907, DJe-098 DIVULG 18/05/2012 PUBLIC 21/05/2012).


Como visto, não cabe ao órgão profissional definir condições de funcionamento de cursos e de programas educacionais; essa competência e todas as relacionadas à formação acadêmica, regulação e supervisão da educação são do MEC.

O acórdão em pauta é uma interferência ilegítima que fere regras e princípios tais como a liberdade de ensino, a livre iniciativa e a autonomia didático-científica, que não podem ser excluídas por normas infraconstitucionais.

A decisão do CREFITO, enfim, é um desrespeito à autonomia das IES, inseparável da própria essência da universidade.

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