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Mensalidades escolares: interpretação da Nota Técnica 17/2020/DEE/CADE

Com grande apelo popular e, em muitos casos, pouca reflexão, os legislativos de diversos estados do Brasil tramitam projetos de lei para descontos lineares em mensalidades escolares.


Defendemos em alguns artigos e pareceres que tal pretensão é ilegal e nociva ao setor educacional. Apoiados na norma específica - Lei 9.870/1999 - e no evidente risco de desequilíbrio da rede de contratos dos estabelecimentos de ensino, sugerimos que os descontos lineares e as propostas gerais de reequilíbrio em favor dos estudantes não devem ser adotadas.


Como fundamento para essas teses, além das normas educacionais, já existia uma nota técnica da Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON; agora, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, expediu outra nota técnica, concluindo que as


“…iniciativas que buscam interferir nos preços acordados nos contratos, sem uma avaliação criteriosa sobre os impactos sociais deste tipo de medida, podem ter, justamente, o efeito contrário”.

A nota, que se dirige ao legislativo da União e dos estados, indica efeitos concorrenciais graves, como a maior concentração de mercado e “o aumento do poder de mercado dos estabelecimentos de ensino maiores”, notadamente em virtude da possível falência de alguns estabelecimentos. Além disso, indica, ao final, que empresas classificadas como maverick (empresas menores e disruptivas) poderão desaparecer.


Apresenta também um argumento muito contundente ao descrever como prováveis os seguintes efeitos econômicos:


• Desemprego ou menores salários dos docentes;

• Dificuldade de realocação dos docentes, caso exista desemprego;

• Diminuição da demanda agregada em nível macroeconômico;

• Redução da arrecadação de impostos, com efeitos indiretos sobre a saúde; e

• Aumento de gastos públicos com maior demanda na rede pública de ensino.


Todas essas questões já tinham sido apontadas pelos próprios sindicatos de instituições de ensino, mas até o momento o discurso não tinha sido referendado pelo poder público, que deixou o setor econômico sem a mesma cobertura emergencial ofertada para o setor cultural, por exemplo.


A nota técnica cita, nesse sentido, a conduta de governos estrangeiros:


Em outros países há uma preocupação na manutenção do sistema educacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, de acordo com o CARES Act (Coronavirus Aid, Relief, and. Economic Security Act), as escolas particulares podem participar do Programa de Proteção de Pagamento: ou seja, podem pedir um empréstimo diferenciado destinado a escolas particulares que efetuarem pagamentos de funcionários, aluguel, juros de hipotecas ou serviços. As escolas particulares também podem receber dinheiro do Fundo de Estabilização Educacional do CARES. Lá, foram destinados 13,5 bilhões de dólares para o ensino primário e secundário, com o propósito de auxiliar entidades educacionais, havendo 14,25 bilhões de dólares para educação superior (e 3 bilhões para serem gastos à discricionariedade de governadores no âmbito da educação). Ou seja, há um esforço para impedir a falência do sistema.


No Brasil, ainda pode ser necessário esse apoio, mas agora existe ao menos um documento oficial contra as normas sobre descontos em mensalidades escolares.


No nível prático, o documento captou bem o risco concreto de que um desconto padronizado, de 10%, 30% ou 50%, seja injusto, além de injustificado. Isso porque os agentes de mercado (termo usado para indicar os ofertantes de serviços em um determinado setor econômico) poderiam diminuir sua competitividade e os descontos poderiam ser mal calibrados, podendo ser ora pequenos em relação a agentes com grande margem de lucro ora elevados demais para ser suportados por escolas que cujo equilíbrio entre custos e receitas seja mais apertado.

Quanto a esse comportamento, o CADE destaca ainda que “…mesmo em tempos onde aulas não são prestadas presencialmente, é possível haver aulas on-line e este tipo de serviço tenderia a ser menos ofertado em caso de diminuição de receitas escolares ou ofertado com menor qualidade”.


Segundo o órgão, há também outro motivo para dizer que a intervenção estatal é um sinal perigoso, pois, ao ter certeza de que esse tipo de dirigismo contratual ocorre, uma instituição de ensino poderia deixar de oferecer livremente descontos ou mesmo poderia incluir no preço margem para suportar esse tipo de paternalismo do poder público.


Portanto, na prática, caso fossem aprovadas as leis de desconto, o comportamento dos estabelecimentos de ensino poderia ser guiado para direções indesejadas.

Para reforçar seu posicionamento, o documento menciona, ainda, recurso de agravo julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou o pedido antecipado de desconto, afirmando:

"… por ora, é prudente manter a base do negócio, especialmente considerando que o colégio tem tomado medidas para manter as atividades escolares de forma on-line (fls. 122, 156/159), o que também gera diversos custos e adaptação, cabendo a observância do princípio da boa-fé objetiva e dos deveres de solidariedade e cooperação.
[…]
Por outro lado, a autora não demonstrou os efeitos concretos da crise na sua capacidade financeira, na medida em que é funcionária pública e não comprovou ter experimentado redução salarial a justificar a alteração da base do contrato em contrariedade com o princípio da segurança jurídica."

A decisão é relevante e traça parâmetros para análise de casos similares.


Como derradeiro argumento, a nota técnica cita um artigo relevante que adverte sobre a possibilidade do chamado efeito Peltzman e dos spill over effects em caso de moratórias em contratos nesse momento. A discussão desse tipo de efeito é muito importante no contexto atual. O primeiro problema poderia redundar em uma reação displicente dos usuários dos serviços ou em um serviço de menor qualidade como compensação dos descontos já impostos pelo estado-regulador. E o segundo efeito, também conhecido como “transbordamento”, refere-se a uma repercussão indireta como aluguéis ou outros débitos que deixariam de ser pagos por empregados demitidos das escolas ou o aumento de mensalidades de novos cursos e cursos online em geral.


Enfim, os efeitos econômicos e concorrenciais de leis sobre descontos de mensalidades podem ser gravíssimos, como concluiu o Departamento de Estudos Econômicos, DEE, do CADE. Essa opinião é técnica e precisa agora ser acatada pela Secretaria de Acompanhamento Econômico, a quem compete, segundo Art. 19, VI, da Lei 12.529/2011, propor a revisão de leis feitas por quaisquer entes federativos que “afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País”.




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