O Estatuto da Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) há muito dispunha que os cidadãos de nacionalidade brasileira, diplomados por qualquer faculdade de Direito no Brasil ou em Portugal, desde que estivessem legalmente habilitados a exercer a advocacia no Brasil, poderiam se inscrever na Ordem dos Advogados Portugueses. A reciprocidade exigia que regime idêntico fosse aplicado aos advogados de nacionalidade portuguesa inscritos na OAP que quisessem se inscrever na OAB.
O acordo permitia a inscrição do advogado brasileiro dispensando a realização de estágio e a obrigatoriedade de realizar exame final de avaliação e agregação, conforme n.º 2, do artigo 17.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários Portugueses.
Ou seja, se o advogado brasileiro estivesse com as anuidades em dia e não tivesse condenação em nenhum processo disciplinar, poderia requerer o seu registro e inscrição como advogado da OAP. Porém, se o advogado brasileiro não tivesse residência legal em Portugal, emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um advogado português devidamente inscrito deveria se responsabilizar e indicar o seu domicílio profissional como o do advogado brasileiro.
A inscrição na OAP permitia o exercício profissional em Portugal, mas não substituía a necessidade de o profissional inscrito ter residência legal no país para permanecer e trabalhar.
A reciprocidade determinava, de acordo com o Provimento n.º 129/2008, de 08 de Dezembro de 2008, do Conselho Federal da OAB, que regulamenta a inscrição de Advogados portugueses, que “O advogado de nacionalidade portuguesa, em situação regular na Ordem dos Advogados Portugueses, pode inscrever-se no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, observados os requisitos do art.º 8.º da Lei n.º 8.906, de 1994, com a dispensa das exigências previstas no inciso IV e no 4 § 2.º, e do art. 20.º do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB”.
Importante salientar que este processo nunca concedeu equivalência do curso de Direito realizado no Brasil ao curso de Direito realizado em Portugal; ele apenas autorizava o exercício da profissão. Quando o interessado desejava comprovar o curso de Direito – no caso da necessidade para realização de um concurso, por exemplo - deveria realizar um processo de equivalência de curso.
O rompimento da cooperação
Fato que no dia 04 de julho deste ano o regime de reciprocidade foi quebrado pela Ordem de Portugal, que alega que, embora possa ter existido uma matriz de base comum aos ordenamentos jurídicos de ambos os países, em Portugal têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil, até por força da aplicabilidade e transposição para o Direito interno português do Direito da União Europeia, o que, inevitavelmente, teria contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastassem e tivessem evoluído em sentidos totalmente diferentes.
Para a OAP, as normas jurídicas atualmente em vigor em alguns ramos do Direito num e noutro ordenamento jurídico já não são sequer equiparáveis.
“É do conhecimento geral que existe uma diferença notória na prática jurídica em Portugal e no Brasil, e bem assim dos formalismos e plataformas digitais judiciais, sendo efetivo o seu desconhecimento por parte dos Advogados(as) brasileiros(as) e portugueses(as) quando iniciam a sua atividade em Portugal ou no Brasil, verificando-se que ocorre, por isso mesmo, a prática de atos próprios de Advogado de elevada complexidade técnica, por quem não dispõe da necessária formação académica e profissional no âmbito dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.
Verifica-se ainda que, no quadro atualmente vigente, existem sérias e notórias dificuldades na adaptação dos Advogados(as) brasileiros(as) ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual, e bem assim às plataformas jurídicas em uso corrente, o que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos(as) cidadãos(ãs) portugueses(as) e, de forma recíproca os(as) dos(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as).
Cumpre ainda salientar que foram recentemente transmitidas à OAP inúmeras queixas relativas à utilização indevida do regime de reciprocidade em vigor, o qual só deverá produzir efeitos no âmbito da inscrição como Advogado(a) nas respetivas ordens profissionais e não para a obtenção de registo ou inscrição junto de outras Ordens de Advogados ou Associações Profissionais Equiparadas de outros Estados membros da União Europeia, que não são, nem nunca foram, parte deste acordo.” (Trecho do Comunicado emitido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses)
O Conselho Geral da OAP ainda explicitou que, perante a gravidade das questões identificadas e amplamente conhecidas, e a repercussão social que delas decorre, deliberaria por fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor, com efeitos a partir de 05 de julho de 2023, ressalvando os processos de inscrição que se encontrassem em curso ao abrigo do regime de reciprocidade.
Manifestação da OAB
Na própria terça-feira, dia 04/07, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, se pronunciou sobre a decisão unilateral da Ordem dos Advogados Portugueses de romper o acordo de reciprocidade.
Ele salientou que o Conselho Federal da OAB foi surpreendido pela decisão de rompimento do acordo de reciprocidade que permitia a inscrição de advogados brasileiros nos quadros da advocacia de Portugal e vice-versa e que existia um processo de diálogo iniciado havia vários meses justamente com o objetivo de aperfeiçoar o convênio, pois a realidade demográfica, social, legislativa e jurídica dos dois países havia evoluído desde a assinatura do acordo.
Para Beto Simonetti, a OAB, durante toda a negociação, se opôs a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros; que a mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações.
A nota da Ordem dos Advogados do Brasil ressalta que a cooperação e amizade entre Brasil e Portugal, inclusive na advocacia, têm resultado em inúmeros benefícios para ambos os países e, sobretudo, para seus cidadãos e que o diálogo respeitoso, fundamentado na igualdade entre as nações, seria o caminho para o equacionamento de qualquer discordância momentânea (e não a rescisão unilateral da tratativa). E que a prioridade da OAB é a defesa e o fortalecimento das prerrogativas profissionais, não importa onde tenha que atuar para assegurá-las.
Por fim, a Ordem, surpreendida com o anúncio unilateral, anuncia que tomará as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convênio do qual a Ordem portuguesa se retirou. Também, que buscará a retomada do diálogo, respeitando a autonomia alheia e compreendendo que a entidade europeia enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais.
Advogados brasileiros em Portugal
Atualmente, de acordo com o Jota, quase 10% dos advogados registrados em Portugal são brasileiros. A informação foi fornecida pela OAP e publicada pela Folha de São Paulo. Dos aproximadamente 34 mil profissionais inscritos na instituição, 3.173 são brasileiros e, desses, quase 60% estão concentrados na região de Lisboa.
Comparando com 2017, ano em que a imigração brasileira voltou a crescer em Portugal, houve um aumento de quase 482% em relação aos brasileiros inscritos na entidade portuguesa, o que sugere que a medida, apesar das justificativas da OAP, representa tão somente uma tentativa de garantir reserva de mercado.
Advogados brasileiros que atuam em Portugal decidem agora ingressar com uma ação contra a Ordem do país para reverter a revogação unilateral sob o fundamento de sobreposição inadequada da medida.
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