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Presencial, a distância, remoto ou híbrido: a volta às aulas em 2022 e a legislação educacional

Atualizado: 31 de jan. de 2022


Novos termos, tais como ensino híbrido e regime remoto, foram usados com frequência pelo MEC, pelo Conselho Nacional e por instituições de ensino durante a pandemia. Ao lado deles, uma expressão ainda mal definida: “ensino a distância”. Essa expressão foi utilizada por estudantes e pelo Poder Judiciário, gerando dificuldade para entendimento do que, realmente, foi o ensino durante a terrível crise sanitária que assola o Brasil.


A pandemia, que de fato é global, serviu como um contexto acelerador de mudanças e discussões. A educação, esse fenômeno social tão cotidiano e imensamente relevante, foi atingida por essa onda de incertezas e novidades. Talvez por isso tantos termos postos em debate.


Híbrido e remoto, por exemplo, são vocábulos que não constam na legislação educacional brasileira, assim como “não presencial” ou semipresencial são inovações terminológicas. São locuções que funcionam bem com o público e até são usadas em bons livros sobre educação, mas não modalidades ou metodologias previstas em normas educacionais.


Por certo, normas legais não são essenciais para conceber processos formativos educacionais, mas uma comunicação clara precisa de palavras e termos bem definidos, cujo uso seja controlado. No direito o problema é conhecido como assimetria informacional e está na base dos esforços de defesa do consumidor. Hipoteticamente, esta situação não difere daquela na qual se impõe o controle de termos “light” ou “diet” na área nutricional, quando palavras novas surgem (“zero”, “fit” etc) e é preciso criar uma definição legal de modo a evitar que o consumidor seja induzido a comprar produtos que não correspondem ao que as palavras, a priori, significam. Em casos assim, o papel do Estado é assegurar a qualidade da informação e garantir a escolha minimamente racional.


Os usuários dos serviços educacionais deveriam ter o mesmo direito à redução de assimetrias informacionais e isso deveria interessar, e muito, às boas instituições de ensino. A escola que usa ensino verdadeiramente híbrido como metodologia não tem interesse que a palavra seja usada e divulgada sem critério. O mesmo problema informacional acontece quando são usadas as locuções “online”, “semipresencial” ou “remoto”. Aqui, a questão não é o mal uso de expressões consolidadas na literatura técnica, mas a dispersão da informação por meio de palavras que podem ter qualquer significado. Em ambos os casos, quem oferece serviços de forma estruturada acabará sendo confundido com quem apenas usa as mesmas palavras para divulgar seus serviços.


Dentre tantos “quase sinônimos” merece especial atenção o termo “remoto”, ou “regime remoto”, uma invenção útil, difundida durante a pandemia. Remoto, de fato, é sinônimo de distante, afastado, ou, ainda na definição do dicionário Michaelis: “Que pode ser acessado e operado a distância, por meio de uma linha de comunicações”. Nenhum desses significados torna a palavra diferente da expressão “ensino a distância”, mas muitas instituições de ensino adotaram o “regime remoto” ou “ensino remoto” como metodologia diferenciada do EAD. Justiça seja feita, alguns regimes e metodologias realmente foram diferenciados, mas à primeira vista o uso da palavra parece mais um esforço para não dizer aos estudantes que as instituições - prudentemente, vale frisar - precisam adotar o EAD no período em que o isolamento é necessário. Seja por preconceito ou diferença de preço, “remoto” parece uma palavra usada para esconder o uso excepcional do EAD.


Bom dizer que a criatividade não surgiu apenas de escolhas das instituições de ensino. No auge da pandemia, o MEC usou definições como “atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais” em suas normas e a Lei 14.040/2020 também contribuiu para o ambiente cacofônico ao consagrar a expressão “não presencial”. Apesar de seguir terminologia indicada pelo CNE, esta também é uma expressão até então não regulada que evidencia o eufemismo em relação ao ensino “a distância”. Afinal, EAD ou ensino a distância é a única expressão até então incluída na legislação como contraponto a “ensino presencial”. Esses dois casos demonstram, enfim, que o Poder Público contribuiu para gerar assimetrias informacionais.


Não obstante tantas expressões neste período, é fato que as aulas foram ofertadas na modalidade EAD. Foram aulas em situação especial, sem redução de custos, sem momentos presenciais obrigatórios e sem muito tempo para adaptações metodológicas, mas efetivamente a distância. As soluções e opções expressamente citadas em normas e pareceres, tais como aulas síncronas ou assíncronas, simulações e tarefas para serem feitas fora da escola são amplamente usadas no EAD. Isso deveria estar claro, mas o que se percebe é a predominância da dúvida.


A modalidade de educação à distância na legislação


Talvez a assimetria ocorra porque o próprio conceito de ensino a distância não está claro na legislação educacional. Entre conceitos confusos, como o contido na Resolução CNE/CES 01/2016, e simples, como os usados nos Decretos editados sobre o assunto, o que se vê são dois requisitos mínimos para a caracterização desta modalidade de ensino, um relacionado ao espaço outro ao tempo.


As pessoas precisam estar em locais diversos (critério espacial) para que seja configurado o EAD. Nesse sentido, quem está fora do ambiente no qual o professor ministra sua aula pode ser considerado como estudante do ensino a distância. Esse é um critério lógico, pois efetivamente não há entre estudante e docente proximidade espacial, há, concretamente, distância.


As pessoas podem, ainda, estar distantes no tempo (critério temporal). O aluno que assiste a uma aula gravada na sala pelo professor dias antes, por exemplo, também está no ensino a distância. Neste caso, “distância” se refere ao tempo, não ao espaço.


Como visto, são dois critérios e por esse motivo poderia surgir uma dúvida: tais critérios são alternativos ou cumulativos? Ou seja, quem estuda em local diverso do qual se encontra o docente está cursando uma aula na modalidade EAD ou é necessário que também esteja estudando em momento diferente daquele em que o professor ministrou a aula?


A principal norma vigente sobre EAD, o Decreto 9.057/2017, trata, no artigo 1º, os critérios espacial e temporal como cumulativos. Entretanto, tal disposição contrasta da prática e das Resoluções CNE/CES 01/2016 e CNE/CEB 01/2016.


Usando apenas o Decreto, o raciocínio poderia ser o seguinte: só há EAD quando as pessoas estão em locais diversos e tempos diversos, portanto, se estão apenas em locais diversos, a atividade ou curso seria presencial. Noutras palavras, ou são satisfeitos os dois critérios - espacial e temporal - ou não há EAD. Porém, na prática, o que se vê é que as instituições não adotam como ensino presencial aquele ministrado para alunos que participam de aulas síncronas. De fato, se assim fosse, nenhuma norma do MEC precisaria ser criada para que, durante a pandemia, os alunos de cursos presenciais assistissem de casa as aulas síncronas.


Esta percepção de que o Decreto 9.057/2017 talvez seja impreciso é reforçada pelo texto do Decreto anterior, de 2005, que citava os critérios como alternativos, incluindo o termo “ou” entre a menção a tempo e espaço. Além disso, a Resolução CNE/CES 01/2016, ainda vigente, usa o termo “e/ou” para tratar dos critérios para caracterização do EAD.


Diante dessas contradições, certo é que não há um conceito preciso do que seria educação a distância no Brasil.


Na realidade, em outros países e na literatura técnica, ensino a distância é um termo já suplantado por outras abordagens e tratado, normalmente, como metodologia. Essa diferença é importante porque ao tratar o EAD como modalidade, o Brasil optou por credenciamento específico e impôs maior rigor no uso, afinal modalidade é a soma de metodologias, recursos e modelo de avaliação, não apenas uma escolha metodológica para o docente.


Portanto, as regras sobre ensino a distância, apesar de serem regras que deveriam deixar claro o limite em presencial e EAD, também não solucionam o déficit informacional sobre o ensino no contexto de pandemia.


Exemplo de clareza.


Se a definição de EAD ainda merece ajuste, o uso de carga horária a distância em cursos de graduação presenciais foi se tornando mais claro ao longo dos anos.


A "criatividade" do legislador sobre o tema esteve estampada na Portaria 4.059/2004. Que assim tratava o conteúdo EAD em cursos presenciais:


Para fins desta Portaria, caracteriza-se a modalidade semi-presencial como quaisquer atividades didáticas, módulos ou unidades de ensino-aprendizagem centrados na auto-aprendizagem e com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes de informação que utilizem tecnologias de comunicação remota. (Art. 1º, § 1º).

Mas esse neologismo - sim, neologismo, pois a LDB não menciona disciplina semi-presencial - foi adaptado paulatinamente a partir de 2018 e, hoje, tem redação clara na Portaria 2117/2019:


As IES poderão introduzir a oferta de carga horária na modalidade de EaD na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais, até o limite de 40% da carga horária total do curso. (Art. 1º)

Como a carga horária mencionada na Portaria de 2019 é expressa em um percentual sobre a carga horária total do curso, a Instituição pode optar por utilizar disciplinas com carga horária parcial ou totalmente EAD, respeitando o limite de 40%.


Esta regra aplica-se ao ensino superior e pode ser usada pelo ensino básico, caso regulada pelos Conselhos Estaduais de Educação.


E como deve ser a volta às aulas em 2022?


Pois bem, afastadas as inovadoras locuções usadas durante a pandemia e adotado o parâmetro, concreto, de que EAD pode ser caracterizado tanto pelo critério espacial quanto pelo temporal, resta agora saber se o retorno às aulas em 2022 deverá ser obrigatoriamente por atividades letivas presenciais ou se poderão ainda ser usadas aulas na modalidade a distância.


Para o ensino superior existe a possibilidade de ajuste do Projeto Pedagógico do Curso e uso da Portaria 2117/2019 para ofertar conteúdo EAD, independentemente das regras de autoridades locais e de avaliação elaborada do contexto sanitário. Mas há também uma solução geral para todos os níveis: a aplicação Portaria 1.030/2020 com as alterações feitas pela Portaria 1.038 do mesmo ano.


A Portaria estabelece a volta presencial às aulas, mas cria uma regra de segurança sanitária que transcrevemos:


Art. 3º As instituições de educação superior poderão utilizar os recursos previstos no art. 2º de forma integral, nos casos de: I - suspensão das atividades letivas presenciais por determinação das autoridades locais; ou II - condições sanitárias locais que tragam riscos à segurança das atividades letivas presenciais.

Esta regra possibilita que a volta as aulas seja por meio de atividade que aqui denominamos como EAD. Permite isso quando as autoridades municipais e estaduais suspenderem as atividades presenciais em escolas ou mesmo quando a própria instituição de ensino verificar que as atividades presenciais trarão risco à segurança das pessoas. Neste último caso, suspenderão as atividades porque as "condições sanitárias" geram riscos "à segurança das atividades letivas presenciais" em seus espaços físicos. Por exemplo, se as salas são pequenas ou pouco arejadas deverá ser analisado o contexto e poderão ser suspensas as aulas, mesmo quando o Poder Público não determinar a paralização.


A norma é boa, mas cria responsabilidade para as instituições, especialmente no segundo caso. Na prática, quando é permitido que a Instituição verifique se há risco sanitário, esta constatação fica sob sua responsabilidade exclusiva. Se as aulas não forem suspensas a instituição pode responder por omissão em casos de contaminação no ambiente escolar e se, ao contrário, forem suspensas, a instituição talvez precise de um laudo que justifique a interrupção momentânea das atividades presenciais.


Enfim, o quadro atual demanda cautela, mas em um nível mais amplo demanda uma ação do Ministério da Educação, que deve assumir a responsabilidade de melhorar o nível de informação para gerar a segurança jurídica e a confiança necessárias para garantir que o setor educacional leve, desse período acelerado e difícil, apenas o melhor para todos.



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