top of page

STF: direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal

Em quatro sessões, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o recurso extraordinário (RE) 1010606, em que se discutiu o direito ao esquecimento na área cível. Para melhor compreensão da matéria, indicamos a leitura de dois textos que publicamos em outubro de 2020 e que explicam bem a origem desse recurso específico e do direito que se pleiteava garantir.


Leia:



Pois bem, o RE, com repercussão geral reconhecida, teve o provimento negado por maioria dos votos. A conclusão é que a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação, é incompatível com a Constituição Federal.


Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.


A maioria dos ministros seguiu o entendimento do relator Dias Toffoli, de que o direito não está previsto no ordenamento jurídico brasileiro e que não caberia ao Judiciário instituí-lo. Com isso, não houve condenação da TV Globo pela reconstituição do crime contra Aída Curi, ocorrido em 1958, no programa “Linha Direta” de 2004.


O ministro Luís Roberto Barroso declarou sua suspeição e não participou do julgamento.

Os ministros revisores


O ministro Nunes Marques foi o primeiro a votar e acompanhou o relator no sentido de que, no Brasil, ainda não há o direito ao esquecimento como categoria jurídica, individualizada e autônoma, e que cabe ao Poder Legislativo normatizar a imensa quantidade de sutilezas geradas por esse direito. Ele entendeu, todavia, que os familiares de Aída Curi teriam direito à indenização por dano moral, cujo valor deveria ser fixado na instância de origem.


O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator integralmente e votou pelo desprovimento total do RE. Em sua visão, o reconhecimento genérico, abstrato e amplo do direito ao esquecimento configura censura prévia, salientando que não há permissão constitucional para limitar preventivamente determinado conteúdo. Para ele, a crônica jornalística e policial jamais poderá ser apagada, por mais que sejam sensíveis os fatos. Sobre o fato concreto, entendeu que, mesmo com a gravidade do ocorrido, o programa recontou fatos reais e concretos de maneira lícita, objetiva, respeitosa e sem deturpação.


A ministra Rosa Weber também seguiu integralmente o voto do Relator. Para ela, a liberdade de expressão deve ser plena e contra ela não deve existir restrição arbitrária, principalmente por estarmos em um estado democrático de direito, onde a liberdade de expressão é a regra e, sob pena de censura prévia, somente é admitida a sua restrição em situações excepcionais e nos termos da lei. O direito ao esquecimento contribui, em suas palavras, para manter o país culturalmente pobre, a sociedade moralmente imatura e a nação economicamente subdesenvolvida.


Pelo desprovimento do recurso também votou a ministra Cármen Lúcia, afirmando que não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão. Ela fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história.


Outro que acompanhou o relator foi o ministro Ricardo Lewandowski, sustentando que a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas e que, enquanto categoria, o direito ao esquecimento só poderia ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, de maneira a sopesar qual dos dois direitos fundamentais - a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade - deveria ter prevalência.

O ministro Gilmar Mendes votou pelo parcial provimento do RE e acompanhou a divergência apresentada pelo ministro Nunes Marques. Ele admite que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas – tanto autor como vítima - é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e social, cabendo ao tribunal de origem apreciar o pedido de indenização. E que, na hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário examinar de forma pontual qual delas é prevalente para fins de direito de resposta e indenização.


O ministro Marco Aurélio, por sua vez, votou com o relator, citando que os veículos de comunicação têm o dever de retratar o ocorrido. Por essa razão, ele entendeu que as decisões do juízo de origem e do órgão revisor não mereceriam retoques.


Reconhecimento do direito ao esquecimento em voto vencido


O ministro Edson Fachin votou pela parcial procedência do RE e reconheceu a existência de um direito ao esquecimento.

Porém, em relação ao caso concreto, entendeu que a pretensão dos familiares da vítima não pode se sobrepor à liberdade de expressão e ao direito à informação. Para ele, o direito ao esquecimento decorre de uma leitura sistemática do conjunto de liberdades e direitos fundamentais, e a informação veiculada no programa televisivo ultrapassa a esfera individual e faz parte de um acervo público que envolve, também, jornais e revistas.


Segundo Fachin, o caso retrata uma dimensão histórica e conecta passado e futuro de crimes contra a mulher. A seu ver, não houve excesso no relato produzido pela emissora nem desrespeito ao direito de personalidade dos familiares, pois o programa se manteve na seara própria de discussão pública do caso.


O atual presidente do STF, ministro Luiz Fux, salienta que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, e, quando há confronto entre valores constitucionais, é preciso eleger a prevalência de um deles. Ou seja, ele também entende que o direito ao esquecimento pode ser aplicado, mas que, no caso concreto, os fatos são notórios e assumiram domínio público, tendo sido retratados não apenas no programa televisivo, mas em livros, revistas e jornais. Por isso, também votou pelo não provimento do recurso.


Tema 786


Ao final do julgamento, com o não provimento do recurso extraordinário (RE) 1010606, foi fixada a seguinte tese:


"É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".

Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber mais informações sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes. Temos cursos regulares, já consagrados, dos quais já participaram mais de 800 profissionais das IES.


Também modelamos cursos in company sobre temas gerais relacionados ao Direito da Educação Superior, ou mais específicos. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.

149 visualizações
bottom of page