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STF fixa Tese de Repercussão Geral e assegura creche e pré-escola às crianças de até 5 anos

O Município de Criciúma contestou uma decisão colegiada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que manteve a obrigação de assegurar reserva de vaga em creche para uma criança menor de seis anos. O município, em seu recurso, argumentou que não cabia ao Poder Judiciário se intrometer nas questões orçamentárias da municipalidade, uma vez que não seria possível impor aos órgãos públicos obrigações que implicassem gastos sem que fossem destinados valores no orçamento para atender à tal determinação.


Uma vez no STF, o Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, pois o debate travado nos autos dizia respeito à autoaplicabilidade do art. 208, IV, da Constituição Federal, que apregoa ser dever do Estado assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.


Para o ministro Luiz Fux, à época presidente do Tribunal, a educação infantil é uma prerrogativa constitucional indisponível que assegura às crianças de zero a cinco anos a primeira etapa da educação básica. A negativa ao efetivo acesso a esse atendimento, em creches ou pré-escolas, configuraria uma “inaceitável omissão estatal”.


Para o ministro, o Poder Judiciário pode determinar à administração pública a efetivação desse direito quando ficar demonstrado que não foi possível conseguir a matrícula pela via administrativa, em razão de negligência, negativa indevida ou demora irrazoável. Em suas razões, ainda é necessário demonstrar que o autor do pedido não tem capacidade financeira para arcar com o custo da manutenção da criança em uma instituição privada.


Ao final, propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral (tema 548):


“A Administração Pública por força de decisão judicial deve matricular criança de zero a cinco anos de idade em creche ou pré-escola públicas desde que haja a comprovação de pedido administrativo prévio não atendido em prazo razoável e de incapacidade financeira do requerente de arcar com o custo correspondente”.

O Ministro André Mendonça, por sua vez, propôs a seguinte tese:


“É dever estatal, constitucionalmente obrigatório, assegurar o acesso universal à educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. Esta obrigação deve ser cumprida: a) de forma imediata, para todas as crianças a partir de 04 anos; b) de forma gradual, de acordo com o Plano Nacional de Educação – PNE, garantindo-se a oferta de vagas equivalentes à, no mínimo, 50% da demanda até 2024, para as crianças de até 03 anos; Constatada a não aplicação do percentual mínimo orçamentário em educação, bem como o descumprimento de qualquer outra obrigação constitucional ou legal relacionada à política pública educacional pelo ente, a obrigatoriedade de universalização do atendimento à educação infantil passa a ser imediata”.

O Ministro Edson Fachin, que também negava provimento ao recurso extraordinário, intentou a seguinte tese:


“É direito subjetivo e simultaneamente dever do Estado o atendimento em pré-escolas e creches às crianças de 0 a 5 anos”, sendo acompanhado pelo Ministro Dias Toffoli.

Mérito


A Constituição Federal dispõe que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, enquanto o ECA assegura atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos. Compete ao Poder Público dos municípios, caso enfrente eventual insuficiência de vagas, tomar as providências necessárias para que essa falta seja suprida, não podendo eximir-se do dever que lhe foi imposto pela própria Constituição.


Mais a mais, em se tratando de um aparente conflito de normas em relação ao direito à educação e normas de matéria orçamentária, é indiscutível a prevalência do primeiro direito, em face dos artigos 1º, III, 3º, IV, e 5º, caput, da Constituição Federal, que tratam de princípios e direitos fundamentais.


Segundo o ECA, “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.


A lei assegura:


  • Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

  • Direito de ser respeitado por seus educadores;

  • Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

  • Direito de organização e participação em entidades estudantis, e

  • Acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.

  • O estatuto também estipula os deveres do Estado para que sejam assegurados os direitos apontados, quais sejam:

  • Garantir ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

  • Assegurar progressivamente a extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

  • Oferecer atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

  • Oferecer atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

  • Garantir acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

  • Ofertar ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

  • Promover atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.


O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo, ou seja, caso o Poder Público não o garanta ou não o faça de maneira regular, o cidadão tem a possibilidade de exigi-lo judicialmente.


Todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e níveis da federação - União, Estados e Municípios - devem efetivar os direitos e garantias previstos, bem como fiscalizar seu cumprimento, para o quê devem existir órgãos capacitados e competentes para tal.


Reforçando: prefeituras, governos estaduais e governo federal têm como uma de suas funções principais promover a política social básica da Educação e são obrigados a oferecer e cuidar de uma rede constante de ensino.


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação chegou em 1996 para especificar que à União cabe a função de estabelecer uma política nacional de educação, que aos Estados cabe oferecer o ensino fundamental gratuito e priorizar o ensino médio e que aos municípios cabe prover o ensino infantil (creche e pré-escola), priorizando o ensino fundamental. E se isto não for disponibilizado, o cidadão pode recorrer ao Judiciário.


Portanto..


... não se pode falar em indevida intromissão do Judiciário no âmbito de atuação de outro Poder, pois apenas cumprida a obrigação constitucional de prestar a tutela jurisdicional e compor litígios que envolvem direitos fundamentais de incapazes, diante da inércia por parte da Administração Pública na implementação de políticas públicas que lhe foram determinadas pelo legislador constitucional, o que revela, com esse seu comportamento negativo, desprezo pela autoridade da Constituição.
Resta clara, portanto, a possibilidade do Poder Judiciário exigir o cumprimento, quando provocado, do direito da criança interessada e o correspondente dever da Municipalidade de possibilitar o exercício pleno do seu direito fundamental à educação, mediante matrícula em creche mantida pelo Poder Público municipal. (Trecho de decisão proferida no processo n. º 1005202-79.2019.8.26.0161/50000, Câmara Especial, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Esta mesma decisão acima cita duas Súmulas do TJSP (nº 63 e 65) sobre obtenção de vaga gratuita em unidade pública de educação infantil e vai além: entende possível a condenação do Município na obrigação de custear creche em instituição de ensino particular às crianças. Hipótese aceita no caso de não haver disponibilidade de vaga em instituição pública, fazendo valer o direito constitucional à educação.


Direito público subjetivo


Como já dissemos, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo. O que o STF decidiu já é previsto na Constituição Federal desde 1988. Como bem escrito por Carlos Eduardo Rios do Amaral, defensor público do Espírito Santo, no texto de opinião entitulado Vaga em creche e Tema 548 do STF: e agora, senhores prefeitos?, no site da Conjur, o STF disse que o que está escrito na Constituição há 34 anos está realmente escrito, ou seja, não é um delírio ou obra ficcional.


De toda forma, há um valor processual para a Tese de Repercussão Geral, que é sepultar de cara todas as teses defensivas que possam ser opostas pelos municípios nas ações judiciais que discutirem o assunto. A partir de agora não há mais fundamento jurídico que sustente a não existência do direito da criança a obter a vaga em creche.


Uma excelente reflexão também foi feita no texto citado: o Tema 548 do STF anuncia aos gestores municipais que o orçamento deverá fazer frente às necessidades de vaga a todas as crianças e nenhuma lei socorrerá o prefeito caso isto não aconteça.


O Tema 548 do STF sempre deverá orientar prefeitos municipais na elaboração do orçamento de seus municípios. A falta de vaga em creche constituirá, assim, pecado imperdoável em fóruns e tribunais. Em tempo, "pecado" desde 1988, "imperdoável" a partir de setembro de 2022. (Trecho do texto Vaga em creche e Tema 548 do STF: e agora, senhores prefeitos?)

Enfim, o julgamento foi concluído em 22 de setembro de 2022 e o Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencido, em parte, o Ministro André Mendonça, que conhecia do recurso extraordinário e dava-lhe parcial provimento para determinar o retorno dos autos à origem para que reexaminasse o feito.


E, em sequência, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese:


“1. A educação básica em todas as suas fases – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. 2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo. 3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica “.

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