A 3ª Turma do STJ afastou, em 16 de março de 2021, por unanimidade, a obrigação do Google de remover dos resultados de pesquisa da ferramenta sites que faziam referência a uma postagem no Facebook feita pelo hoje deputado Kim Kataguiri, em que este dava a entender que o cantor Ney Matogrosso apoiava o impeachment de Dilma Rousseff.
Entenda a história
Nos idos 2016, o então líder do Movimento Brasil Livre (MBL) encontrou Ney Matogrosso em uma padaria em São Paulo; pediu para que tirassem uma foto juntos e posteriormente a publicou em sua página no Facebook.
A foto e a legenda, que dizia que o artista apoiava o impeachment de Dilma Rousseff, repercutiram em diversos sites e blogs, o que não agradou o cantor, que foi a público para dizer que não compactuava com aquelas informações e que apenas tinha aceitado ser fotografado com um desconhecido, fato comum a personalidades como ele.
O assunto rendeu aborrecimentos ao cantor, que ajuizou ação requerendo que as publicações de Kataguiri fossem retiradas do Facebook e que o Google não apresentasse resultados para buscas relacionando o nome de ambos.
A juíza de primeira instância deu provimento ao pedido em relação ao Facebook, mas negou o requerimento que envolvia a desindexação pelo Google, sob o argumento de que seria medida abusiva e de censura, já que nem todo o material continha conteúdo ofensivo a um dos dois.
Segunda instância
Em 2017, o processo foi julgado em segunda instância e o desembargador Beretta da Silveira, relator do caso, reformou a sentença para acolher o pedido e determinou que o Google parasse de exibir os resultados associando Kataguiri, Ney Matogrosso e o impeachment.
Ele entendia que, apesar da dificuldade de se garantir a remoção de todas as notícias relacionadas ao tema, o juiz deveria tentar reduzir ao máximo as lesões que vinham sendo causadas aos direitos do cantor. Para ele, as fotos e postagens caracterizaram abuso à livre manifestação, sendo um excesso que deveria ser coibido.
A decisão, portanto, determinava que o Google removesse da lista apresentada em seu buscador os sites que divulgassem esse conteúdo - não verídico - sobre o artista Ney Matogrosso.
O interessante é que o relator constou da decisão que a desindexação deveria ser feita para conteúdos publicados até o momento da decisão, descartando a responsabilidade do Google quanto a conteúdos que futuramente fossem criados, publicados e aparecessem nos resultados de buscas.
À época ainda não havia sido julgada a compatibilidade ou não do Direito ao Esquecimento com a Constituição Federal, mas os especialistas já diziam que a solução ali oferecida (em segunda instância) era apenas paliativa.
De fato, apenas permitia a remoção dos resultados da indexação do buscador até aquele momento, mas não dos locais originários fora dos domínios do Google. E, como já verificado pelo próprio relator do recurso, não impedia (e nem poderia) que novas publicações viessem a surgir futuramente.
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A decisão do STJ
A decisão de segunda instância dispôs que o Google teria condições de localizar o material fruto da controvérsia e que poderia torná-lo indisponível.
Porém, ao recorrer para o STJ (REsp 1.771.911), a empresa afirmou que esse posicionamento contraria o artigo 19, parágrafo 1º, do Marco Civil, que aborda a necessidade de identificação clara e específica do conteúdo infringente e sua inequívoca localização.
Isto quer dizer que o pedido para que se retire alguma informação publicada na rede deve ser acompanhada da exata URL de origem, não cabendo ao motor de busca localizar o material em debate.
E foi essa uma das razões pelas quais a relatora ministra Nancy Andrighi, ao analisar o caso, não deu provimento ao pedido do cantor. Ela ressaltou que a função do Google é de indexação, ou seja, de entregar ao usuário os sites desejados e que se encontram disponíveis de forma pública. A ministra atestou que o material existe independentemente do Google.
Realmente, a empresa virou sinônimo para site de busca, pois domina mais de 90% de todo o tráfego orgânico da internet, mas é apenas mais uma das várias do tipo, como o Bing, o Yahoo, o Ask.com, o Aol.com, o Baidu, o DuckDuckGo, dentre outros.
Ela também atestou em seu voto que, mesmo com a existência de diversos mecanismos de filtragem do conteúdo da Internet, na maioria das vezes é inviável ao provedor da busca exercer alguma forma de controle sobre os resultados da pesquisa. Isso porque, em suas palavras, é ‘problemática a definição de critérios que autorizariam o veto ou o descarte de determinada página’.
Destaca-se também a jurisprudência do próprio STJ no sentido de que os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados de buscas, ainda que haja indicação das URL's.
De fato, ainda em 2014, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva afastou a obrigação do Google de retirar de seus registros de busca a URL de matéria jornalística de um veículo do Espírito Santo que divulgava informações a respeito de investigação conduzida contra um juiz capixaba.
Ao decidir monocraticamente, este relator citou julgado da própria ministra Nancy Andrighi, que já tinha decidido anteriormente a 2014 que, em casos análogos:
“não há interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. É que, na qualidade de mero mecanismo de busca, dada a natureza do serviço prestado, não se exige a filtragem prévia do conteúdo obtido”.
No caso envolvendo o agora deputado Kim Kataguiri e o cantor Ney Matogrosso, a relatora considerou que não se ignoram os incômodos sociais e, mais ainda, o abalo moral que o artista possa ter enfrentado em virtude da divulgação de sua imagem associada à uma opinião política que não externou, mas afastou a obrigação do Google de remover o conteúdo infringente, restabelecendo a sentença quanto a este ponto.
Em relação ao Facebook, entendeu que deve ser mantida a obrigação de exclusão das fotos, o que, para a ministra relatora, já contribuirá para restringir o alcance e a disseminação das publicações.
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Marco Civil x LGPD
Nesta ação específica não se fala em Direito ao Esquecimento (hoje considerado incompatível com a CR), mas, muitas vezes, quando alguém ajuizava uma ação na justiça pleiteando ter seu direito ao esquecimento garantido, estava pleiteando ter seus dados/informações e notícias correlatas desindexadas pelos sites de busca.
Pelo resultado desta ação e de muitas outras que estão a formar jurisprudência consistente, os pedidos de desindexação não serão acolhidos pela justiça.
No caso, na ocasião de ofensa à imagem da pessoa, que é um dado pessoal e merece proteção individual, tanto a LGPD quanto o Lei do Marco Civil sustentarão o pedido de exclusão da internet de uma página (ou várias) e um dos requisitos indispensáveis relacionado pela lei é que a URL seja perfeitamente identificada.
O curioso deste requisito é que ele entra em conflito com a capacidade de viralização dos conteúdos. A partir do momento em que alguma publicação, notícia ou página é criada e inserida na rede, ela tem o potencial de ser novamente disponibilizada e em muitos casos fica impossível a remoção de conteúdos pulverizados.
Há quem defenda – e isto talvez seja interessante para a efetividade da prestação jurisdicional – que a decisão judicial de concessão de ordem de remoção fosse genérica, determinando, por exemplo, que se removesse o conteúdo presente na URL, digamos, originária. E, então, em sede de cumprimento de sentença, sem a necessidade de propor nova ação de conhecimento, o autor indicaria especificamente as URL’s que replicaram o conteúdo. Ou as mais acessadas e em evidência.
De qualquer maneira, o direito à imagem é um dos direitos da personalidade: por mais que seja difícil – quiçá impossível - excluir tudo o que foi publicado na rede contra a vontade de seu titular, se seu uso não for devidamente justificado sempre haverá como configurar o dever de compensar o dano moral sofrido pela vítima.
A solução dos casos concretos dependerá da adequada ponderação dos direitos envolvidos, sempre observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
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