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Mais Médicos e a necessidade de um compromisso para os novos cursos de Medicina

Atualizado: 21 de mar. de 2023

Edgar Jacobs – Advogado e Consultor em Direito Educacional


Foi anunciada pelo novo Governo a volta do Programa Mais Médicos, mas ainda está pendente uma discussão nacional sobre a possibilidade e a necessidade de abertura de cursos de graduação em Medicina.


O Programa foi renovado por uma Medida Provisória, que "Institui a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde" (MP 1.165, de 20 de março de 2023), uma proposta interessante e inovadora. Todavia, existe mais de uma centena de ações já propostas e mais de uma dezena de processos administrativos em andamento – muito já com parecer satisfatório emitido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). E há também um prazo já quase vencido para decidir sobre o assunto: o prazo de 05 anos de suspensão do Programa Mais Médicos, que vence em abril de 2023.


No Poder Judiciário existem ações propostas em primeira instância com decisões favoráveis, existem decisões favoráveis e desfavoráveis em segunda instância e existe até uma contundente decisão do Superior Tribunal de Justiça a favor da abertura de curso de Medicina, que denunciou à época que “...problema de ensino no Brasil é muito sério, mesmo porque existe uma política governamental no sentido de não aprovar novos cursos.” (AgRg na SS: 1762 DF 2007/0172074-6, voto do Min. Aldir Passarinho Júnior). Em contrapartida há uma ação proposta no STF, a ADC 81-DF, para barrar todas as ações em andamento sobre o assunto, uma medida extrema tomada por uma associação de universidades e endossada por entidades médicas.“


Com relação ao STF já tivemos a oportunidade de escrever alguns artigos mencionando a importância da audiência pública realizada em 17 de outubro de 2022, o peso das declarações do representante do CADE sobre concorrência e a relevância das informações solicitadas pelo Ministro Relator da Ação de Constitucionalidade (ADC). Quanto a esse último tópico, os dados solicitados ao MEC e à AGU foram apresentados em novembro e demonstram que há muitas ações judiciais, algumas decisões determinado que o MEC abra o sistema para protocolo de novos cursos, aproximadamente 100 processos em andamento e pouquíssimos casos nos quais houve emissão da portaria de autorização de novo curso. Ou seja, independentemente das ações judiciais para abertura de protocolo, o sistema regulatório do MEC continua funcionando.


Usar o Poder Judiciário para parar as ações é uma estratégia ruim, não só porque cria um paradoxo de acesso à justiça, mas principalmente porque tende a usar as normas e os Juízes como barreiras concorrenciais sem sentido. E essa falta de sentido, de lógica da ação no STF, salta aos olhos, pois o que se pretende no caso é usar a norma do “mais médicos” para forçar a redução das oportunidades de formação de médicos.

Todas essas questões suscitam dúvidas e especulações. Aparentemente todos os envolvidos têm muito a perder; contudo, a derrota é certa para quem mais precisa de mais médicos e para quem quer impor melhores parâmetros de qualidade. Não há uma vitória clara nem mesmo para a União, que já despendeu esforços para avaliar cursos e sabe que o prazo de 05 anos não foi bem utilizado para estudo do mercado – na verdade foram praticamente 05 anos perdidos, com o mercado fechado até mesmo para a política pública do Programa Mais Médicos.


Em uma situação assim, de grande incerteza e disputas de cunho comercial e corporativo emaranhadas a interesses supostamente públicos, a Advocacia Geral da União e o próprio Ministério da Educação do novo Governo deveriam ganhar protagonismo.


Isso poderia ocorrer com a aplicação do artigo 26, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB — Decreto-Lei 4.657/1942):


Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

Ainda segundo a norma, esse COMPROMISSO deve “buscar uma solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais”; precisa “prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento”; e não poderá desonerar permanentemente as partes envolvidas.


Neste caso concreto, o compromisso pode ser o de avaliar todos os pedidos de autorização garantidos pelo Poder Judiciário, respeitando o Direito das partes envolvidas – o que geraria estabilidade e tornaria desnecessária, até mesmo, a decisão cautelar do STF. Por outro lado, a AGU obteria uma grande vitória para o MEC se conseguisse implantar de imediato, por meio do compromisso, parâmetros de qualidade mais detalhados e ponderados, bem como critérios para melhorias e vantagens do sistema de saúde local. Essa vitória seria importante porque, segundo a jurisprudência da área, nem mesmo um novo decreto poderia ter efeitos retroativos, ou seja, aplicar-se aos processos que já estão em andamento.


O Ministério da Educação tem experiência nesse tipo de transição, adquirida, por exemplo, no caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2501-DF, julgada em 2008. Naquele caso foram feitos editais de migração e um acompanhamento especial para instituições que foram originalmente reguladas, originalmente, pelos Conselhos Estaduais. Esse processo foi tão exitoso que a União estendeu a possibilidade de migração para casos similares, repetidas vezes até 2020.


Em outros países, especialmente os que o Direito segue a tradição do common law, acordos desse tipo não são incomuns. Nos EUA, é comum o uso do consent decree (ato similar ao compromisso citado acima), mesmo em ações ou temas ruidosos, com resultados positivos e negativos que podem servir de referência. No Brasil, existem exemplos bem-sucedidos de compromissos, na forma de Termos de Ajuste de Conduta ou Termos de Autocomposição (ver caso recente que envolve a CAPES e o MPF), e também de compromissos de desempenho ou cessação no Direito Antitruste. Nestes casos existe até mesmo a possibilidade de imposição de obrigações de fazer para as partes e, no caso do Antitruste, de desempenho e de fiscalização do cumprimento de acordos e compromissos pelo Órgão regulador (Art. 52, da Lei 12.529/2011), o que pode ser feito, no caso da medicina, pelo MEC e pelo Ministério da Saúde.


Na demanda atual, até mesmo as Instituições de Ensino que fomentaram a ADC n.º 81 sairiam ganhando com o compromisso, pois parte de seus cursos foram obtidos por decisões judiciais e teriam seus atos ratificados, reduzindo, também para elas, a incerteza.


Enfim, venceriam os todos os lados de uma disputa que já se tornou sem sentido. Até hoje, sem a política de cursos do Programa Mais Médicos em funcionamento, a solução da iniciativa privada amparada pelo Poder Judiciário equilibrou o mercado. Agora, com o novo momento do Programa, a iniciativa privada pode ser uma grande aliada, inclusive ampliando as oportunidades de FIES anunciadas pelo Governo.


Esta aliança também tornará mais simples o trabalho da Comissão lnterministerial de Gestão da Educação na Saúde, criada no dia 20 de março, por meio do Decreto 11.440/2023. A Comissão tem, entre suas atribuições: "a definição de critérios para avaliação, autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores na área da saúde", que certamente será mais simples sem o peso das disputas judiciais. Aliás, este novo Órgão Colegiado, com a legitimidade que possui, deve participar ativamente de um compromisso jurídico que resolva as disputas atuais.


Compromisso e parceria, enfim, pode ser a melhor solução para a crise dos cursos provocada pelo fechamento total do mercado em 2018. Equidade é um caminho justo e harmonioso, também em relação aos cursos de Medicina. E como os dados atuais não apontam para excessos — são aproximadamente 10 novos cursos em mais de 03 anos de disputas e mais de 100 ações propostas, o que indica que o número de ações, por si só, não é um problema — este é um bom momento para um excelente acordo. Um compromisso com a sociedade.



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