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Edgar Jacobs

Cursos de medicina: Quantos votos são necessários para a modulação no STF?

Atualizado: 25 de mai.

Por Edgar Jacobs


[Artigo publicado em Fevereiro de 2024]


O Min. Gilmar Mendes, na qualidade de relator, concedeu em agosto de 2023 uma medida cautelar nas ações ADC 81 e ADI 8178 que, dada sua fundamentação, é quase uma decisão definitiva. No mérito reconheceu que o Art. 3º, da Lei 12.871/2013 é constitucional e, via de consequência, que o chamamento público para cursos de medicina também. Adicionalmente, fez algumas determinações em relação aos processos judiciais e administrativos em andamento.


Em virtude dos investimentos e expectativas criadas pelos processos propôs limites ao seu próprio julgamento, aplicando o que pode ser classificado como uma modulação temporal de efeitos[1]. Ele garantiu a tramitação de parte dos processos administrativos de autorização existentes e a validade dos cursos iniciados e com Portarias publicadas. Até fevereiro de 2024, mais cinco ministros concordaram com a modulação, embora três deles – Edson Fachin, Rosa Weber e André Mendonça – tenham apresentado propostas modulatórias distintas, optando por critérios mais restritivos. 


A modulação de efeitos está prevista em duas legislações:


Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (Lei 9.868/1999)
Art. 927 (…) § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. (Código de Processo Civil de 2015).

Como os votos não citam o fundamento da modulação no caso da medicina, ela pode ser tratada tanto como uma modulação em virtude da declaração de constitucionalidade, quanto uma modulação em virtude de “alteração de jurisprudência dominante”.


Estas duas hipóteses são válidas, pois a alteração de fato ocorreu. No primeiro caso, cabe modulação porque haverá declaração sobre a constitucionalidade de uma norma. Por outro lado, também haverá alteração de jurisprudência porque até a cautelar, o posicionamento do STF indicava que não era necessária concessão para abertura de cursos superiores (ADI 1.266, rel. min. Eros Grau, julgada em 6/4/2005). Além disso, pode-se flexibilizar o conceito de “jurisprudência dominante” para aplicá-lo à alteração na tendência do Poder Judiciário antes da ação constitucional, demonstrada por centenas de ações com decisões liminares e definitivas, contra a exigência de chamamento público.


Enfim, tanto o Código de Processo Civil quanto a norma que trata de ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade fornecem bases para a modulação dos efeitos no caso dos cursos de medicina.


E qual seria o quórum necessário para modular?


Existem 3 respostas para essa questão. Uma delas, a mais óbvia, decorre do texto do Art. 27, da Lei de 9.868/1999, que exige um quórum de “maioria de dois terços de seus membros” para a modulação. O STF é composto de 11 ministros, dessa forma 2/3 dos seus membros equivale a 8 votos. 


Hoje, todos os 6 votos proferidos são a favor do ajuste de efeitos na decisão e faltariam, por este primeiro critério, apenas 2 para garantir a modulação no caso dos cursos de medicina. 


Necessário ressaltar que não importa que existam teses diferentes quanto à extensão da modulação. Os ministros votam primeiro se desejam modular ou não, depois escolhem a tese e ou a extensão que prevalecerá. Esta posição foi adotada em 2023, na decisão dos embargos da ADC 49/RN, quando os ministros afastaram a antiga referência do “voto médio”, ou voto de consenso, para adotar a racionalidade de uma votação quanto às teses. Nas palavras do Min. Marques Nunes:


Meu pensamento é mais cartesiano. Atingimos quórum para modular, e a maioria simples se encarrega de resolver. Se fosse o contrário, a proposta mais abrangente tendo 6 votos e a menos abrangente 5, a lógica do voto médio não serviria e viria de impacto à minha lógica cartesiana.
Creio que o quórum é para modular. [...]

Este primeiro raciocínio, em suma, parte do princípio de que são necessários oito votos para modular, independentemente das teses ou da extensão desses votos serem diferentes.


Outras interpretações indicam que é necessário apenas a maioria simples dos votantes. Uma primeira hipótese seria a de que a modulação será feita com base no Código de Processo Civil, que não estipula quórum mínimo, bastando a maioria simples dos votos para garantir o ajuste dos efeitos decisórios. Neste caso, a Corte partiria da premissa de que houve alteração de entendimento jurisprudencial e os 6 votos já proferidos seriam suficientes para garantir o ajuste nos efeitos da decisão.


Além dessa abordagem, também existe outra opção de afastamento do quórum de 2/3. Segundo análise precisa feita pelo Min. Roberto Barroso em debate no ED-ED RE 638115/CE:


[...] Quando você modula, você, na verdade, pondera a norma constitucional que foi violada com as normas constitucionais que protegem os efeitos do ato inconstitucional, portanto, você está ponderando norma constitucional com norma constitucional.
Quando você exige 2/3 para modular, você, na verdade, está hierarquizando normas constitucionais, está dizendo que a violação daquela norma vale mais do que as normas constitucionais que defendem.
Então, creio que um dia a gente pode discutir os 2/3 […]

Esta manifestação abre uma terceira via, que seria a declaração de inconstitucionalidade da exigência de quórum especial para a modulação. Com isso, o tema fica ainda mais controvertido.


Em nosso ponto de vista, o mais correto seria mesmo declarar a inconstitucionalidade da exigência dos 2/3, isso pode, inclusive, acontecer incidentalmente nas ações constitucionais sobre a abertura de cursos de medicina. Mas, caso não seja declarada inválida a regra, a modulação já está garantida pelos 6 votos ou faltam apenas outros dois para que ela seja confirmada. Feito isso, deverá ser discutida a extensão dessa modulação, se relativa a cursos com portaria ou se garantidora também dos processos administrativos em andamento. 


Após o pedido de vistas do Min. Alexandre de Moraes essas questões são esclarecidas e a solução, espera-se, deve ser a que melhor se adequa à Constituição e à Política Pública, que desde sua origem propõe garantir à sociedade brasileira “Mais Médicos”.



PS.: O voto do Ministro Moraes foi divulgado em 24 de maio de 2024 e já existem 9 votos no total, todos favoráveis à modulação, sendo 6 pela modulação mais ampla, que inclui processos administrativos pendentes, e 3 que validam apenas as portarias emitidas.



___________________________________

[1]  O Min. Gilmar Mendes não usa o termo “modulação” em seus votos, mas o Min Edson Fachin se refere as medidas adotadas usando esta palavra. Diz o Min. Fachin em seu voto: “Há que se colmatar as premissas irretocavelmente expostas pelo Eminente Relator com a modulação em menor extensão” (grifamos). O Min. André Mendonça também usa o termo. Provavelmente, o Relator não usa a expressão porque suas determinações são cautelares e, sendo assim, ainda não há decisão sobre constitucionalidade para ser modulada.



Quer saber mais sobre o processo no STF? Acesse nosso video, disponível no blog.


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