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Edgar Jacobs

Novos cursos de Medicina e as perspectivas do mercado

Atualizado: 7 de jun. de 2022


A ampliação de vagas nos cursos de Medicina foi um dos pilares do programa Mais Médicos, criado em 2013. O programa abrange ações conjuntas entre os Ministérios da Saúde e da Educação e faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).


A iniciativa previa a melhoria em infraestrutura e equipamentos para a saúde, a expansão do número de vagas de graduação em Medicina e de especialização/residência médica, o aprimoramento da formação médica no Brasil e a chamada imediata de médicos para regiões prioritárias do SUS.


Uma das grandes questões à época era levar médicos imediatamente às localidades com escassez de profissionais. Quando o Programa Mais Médicos (PMM) foi lançado, havia um déficit de quase 20 mil médicos em áreas específicas do país e a preferência para a chamada de profissionais era daqueles com registro de atuação médica no Brasil.


Caso não houvesse médicos com registro no Brasil (formados aqui ou no exterior, mas que revalidaram o diploma no Brasil) suficientes, eram chamados os médicos brasileiros formados fora e, por último, eram chamados os médicos estrangeiros formados no exterior. Esse regime foi avaliado pelo STF, que julgou constitucionais as regras do PMM.


Em 2013, o Brasil possuía 1,8 médicos por mil habitantes. Havia carência de profissionais e a distribuição de médicos era assustadoramente desigual nas regiões brasileiras.


A qualidade dessa expansão passou a ser questionada por entidades médicas. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) criticava os critérios utilizados para a abertura de escolas de Medicina estabelecidos em 2013; batia na tecla de que o governo não buscava a formação de um aluno de qualidade e ingressou algumas vezes na Justiça pleiteando o fechamento de escolas que, segundo seu entendimento, descumpria alguns critérios.


Foi diante dessas criticas que, no dia 05 de abril de 2018, o então ministro da Educação, Mendonça Filho, e o presidente da República, Michel Temer, assinaram a Portaria 328, que proibiu por 05 anos a criação de novos cursos de Medicina e a ampliação de vagas já existentes no Brasil.


À época (2018), o país possuía em média 2,1 médicos por mil habitantes, número próximo ao de alguns países desenvolvidos, porém longe da média mundial, que é de 3,4 médicos por mil habitantes. Além disso, nem mesmo o número de formandos, ou seja, a projeção para o futuro, pode ser considerada discrepante: enquanto o Brasil forma em média, 15 estudantes por 100.000 habitantes, a Dinamarca forma 23.


Não havia, no nosso entendimento, justificativas plausíveis para a aprovação da portaria. De fato, a principal prejudicada, no caso, foi a população brasileira, notadamente a que vive nas periferias das grandes cidades e nos rincões do país. Mais a mais, se a justificativa era a da pouca qualidade dos cursos, sempre a Lei do PMM previa uma avaliação para validar a sua qualidade, o que bastaria para uma tomada de decisão sem suspensão do programa.


É diante de contradições assim que percebemos que os cursos de Medicina recebem um injustificado - ou mal-justificado - tratamento especial nas normas regulatórias do MEC. Este viés, muitas vezes baseado no senso comum, não está de acordo com a Constituição da República e não faz bem sequer à classe dos médicos.


Em muitos momentos, para motivar essa diferença de tratamento, fala-se na importância da Medicina e dos médicos, que cuidam do bem mais precioso que temos, a saúde.


Porém, nas mesmas falas, omite-se a existência dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição, Fonoaudiologia, Biomedicina e tantos outros relativos a profissões da saúde.


Também há um esquecimento em relação aos professores e aos pedagogos, que cuidam dos conhecimentos básicos de todos esses profissionais, sem mencionar tantas outras profissões que sustentam, juntas, as bases da sociedade.


Nesse sentido, com o devido respeito, o argumento soa elitista e descolado da realidade.


Reserva de mercado


Quando o MEC suspendeu a criação de cursos de Medicina por 5 anos, o presidente do Conselho Federal de Medicina foi questionado se essa suspensão não seria uma atitude corporativista. Ele negou e disse que era uma ação corporativa no sentido de preservar valores como vida, saúde e dignidade humana com uma prática médica qualificada.


Já a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) tratou da medida como um “retrocesso” e entendeu como contraditório que o governo, logo depois de criar uma regra específica para o aumento de vagas, tenha proibido a criação dessas mesmas vagas, inclusive em cursos com reconhecida qualidade. Isso porque, a norma do Governo Temer, além de suspender o PMM, proibiu o aumento de vagas nos cursos já existentes.


A essa norma deve ser acrescentado o fato de que, à revelia de parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), o MEC, desde 2013, considera que o Programa impõe o bloqueio da via regular de abertura de Medicina, a do protocolo de pedido de autorização no sistema eletrônico do MEC seguida por processo regulatório.


Nesse contexto, em síntese, ocorreu o seguinte: uma interpretação absurda do Ministério da Educação criou uma barreira à abertura de cursos fora do Programa Mais Médicos, o que vem sendo sustentado, na verdade, desde 2013, quando implantado o programa; e desde 2018 o próprio PMM foi suspenso, o que criou uma barreira regulatória intransponível,


A justificativa foi - e continua sendo - a importância da manutenção da qualidade dos cursos e o grande número de profissionais médicos que se formarão a médio e longo prazo, mas esses motivos não parecem consistentes.


Se há má qualidade dos cursos de Medicina, o problema são os cursos que estão em funcionamento. Com toda certeza, não existe argumento que possa provar que cursos ainda não abertos são responsáveis pela qualidade atual da oferta. Ao contrário, novos cursos, se bem avaliados durante o processo de criação, contribuirão para induzir qualidade no mercado.


Além disso, afirmar que a extensa carga-horária e a complexidade dos cursos de Medicina são motivações para restringir a abertura de novas vagas é absurdo. Afinal, quem avalia os cursos propostos é o próprio MEC.


Vale complementar, noutro sentido, que a reserva de mercado não faz com que cursos melhorem sua qualidade; pelo contrário, gera estagnação. Em contraponto, a concorrência induz a elevação dos padrões de qualidade de qualquer atividade, gerando, paralelamente, preços mais baixos e acessíveis. Por isso, é no mínimo duvidosa uma política de defesa da qualidade baseada em proibição de novos ingressantes.


Enfim, mesmo tendo certeza da nobreza e percebendo o quão complexa é a profissão médica, não há razões para uma regulação tão diferenciada para o curso de Medicina.


Essa afirmativa vale não só para a reserva de mercado quanto para outras peculiaridades legais, pois o curso é o único que não admite introdução de carga-horária EAD, de acordo com a Portaria 2.117/2019, regra claramente enviesada a favor de um modelo de curso que, especialmente após o primeiro ano de pandemia, ficou no passado.


A propósito, essa proibição legal é totalmente sem sentido, em particular em um momento em que vivemos o remoto com uso da robótica e a valorização da telemedicina.


Em suma, reserva de mercado e regulação conservadora são uma fórmula que dificilmente resultará em aumento de qualidade e não combina sequer com as diretrizes do Programa Mais Médicos.


Exame de qualificação dos médicos


Exposta essa crítica, que esperamos ser construtiva, uma boa medida para induzir qualidade na Medicina seria a criação de avaliações periódicas para os cursos em andamento e um teste de entrada, similar ao Exame da OAB, para os profissionais. A avaliação periódica, aliás, existia no projeto original do Programa Mais Médicos, mas, depois de uma implantação claudicante, foi simplesmente destroçada na Lei.


O teste de entrada também foi cogitado, inclusive por iniciativa do CREMESP, mas não foi amplamente implantado pelo Conselho Federal. Contraditoriamente, o CFM apoia fervorosamente o exame aplicado apenas aos estudantes que se formaram no exterior, o REVALIDA, um teste de entrada que reforça as barreiras regulatórias existentes. Nesse caso, a defesa chega a a ser paradoxal, pois o Conselho diz que: “Sem passar por esse exame, o qual é aplicado pelo Ministério da Educação, por meio do Inep (sem qualquer participação do CFM), o cidadão fica exposto a ser atendido por pessoas sem o conhecimento e as habilidades mínimas requeridas”, mas parece olvidar que nenhum médico formado no Brasil passa por essa avaliação.


Bom deixar claro, aqui, que nossa tese não parte da premissa de que os cursos ou os médicos têm baixa qualidade. Quem alardeia esse propenso problema são os órgãos de classe, usando-o como fundamento para a política de contenção de novas vagas e cursos. Esse alarde, que chega a tratar como irregulares, de certa forma, 92% dos cursos de Medicina, mancha todos os formandos e, indiretamente, passa a mensagem de que aqueles que se formaram antes da ampliação das vagas são melhores que os novos médicos. Por isso, a criação de um exame ajudaria a esclarecer a situação, especialmente se os médicos já formados também fossem avaliados de alguma forma (defendemos essa posição também em relação ao Exame da Ordem).


Entendemos, por fim, que um exame nacional, além de medir a qualidade das escolas médicas de uma forma que os exames gerais de graduações do MEC não mede, também poderia permitir medidas corretivas. Isso reforça nossa convicção de que há um hiato, uma lacuna não preenchida entre o suposto interesse por qualidade e a regulação que não a induz para os cursos existentes.


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Situação atual e o futuro


Se a qualidade dos cursos é ruim, como divulgam as entidades de classe, e a abertura para novos agentes inexistente, o que será da Medicina no futuro? Posta a indagação nesses termos, a reposta não parece ser boa.


Melhor crer que a quantidade de novos cursos e de novos médicos não é, por si só, um problema para a população. Pelo contrário.


Um dos maiores problemas que o Brasil ainda precisa enfrentar é a distribuição de profissionais pelo país. Mesmo com o aumento das faculdades de Medicina nos anos de 2003 a 2013, a desigualdade na distribuição médica não diminuiu.


Por exemplo, nas regiões Norte e Nordeste, há, em média, apenas 1,16 e 1,41 médicos para mil pessoas, respectivamente. No interior do Norte o número por mil habitantes cai para 0,47, e no interior do Nordeste há apenas 0,54 médicos por mil habitantes. Nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, onde existem, proporcionalmente, mais vagas para estudantes de Medicina, esse número chega a 2,81, 2,31 e 2,36.


E o médico, em regra, não consegue se estabilizar e atuar em cidades menores, no interior do Brasil e regiões mais isoladas. Essa descentralização – que leva alguns anos - depende de vontade política e vai muito além de um bom salário para o profissional. É preciso infraestrutura. Fato que é uma questão que está longe de ser contida por uma proibição de novos cursos ou mesmo por restrições ao uso de metodologias mais atuais.


Para os médicos, a existência de novos cursos e de colegas de profissão deve ser vista como um desafio, um incentivo para melhoria contínua e até para a busca de novas localidades. Nesse ponto a medicina não deveria diferir de outras nobres profissões. Há espaço para todos, especialmente considerando o inevitável aumento da população e das demandas por novos serviços e novas especialidades.


As entidades médicas, em paralelo, podem contribuir atuando junto ao governo e pressionando por mais investimentos em infraestrutura essencial nas áreas críticas, onde há imensa demanda por profissionais e o povo padece sem atendimento.


Quanto a novos cursos de Medicina, ainda que se conclua pela necessidade de alterações no processo de formação médica, é preciso dar crédito à capacidade inovadora das Instituições de Ensino; ao sistema de autorização de cursos pelo MEC, com parecer do Conselho Nacional de Saúde; e à capacidade dos novos ingressantes.


Por fim, a profissão médica merece crescer pela concorrência e não padecer por excesso de regulação. Dessa forma, as perspectivas para todos serão melhores, com novos mercado abertos, mais infraestrutura e Mais Médicos.


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