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Profissionais do EaD: o que a Portaria nº 506/2025 acerta, ignora e distorce

Em julho de 2025, o Ministério da Educação publicou a Portaria nº 506, que regulamenta aspectos do novo Marco Regulatório da Educação a Distância, previsto no Decreto nº 12.456/2025. Entre os temas abordados, destaca-se a tentativa de definir “categorias funcionais” para os profissionais que atuam no EaD. Trata-se de um esforço incomum de tipificação de papéis, aplicado exclusivamente à modalidade a distância e a graduação.


A norma menciona três grupos: docentes, mediadores pedagógicos e responsáveis por polos ou atividades específicas. Segundo a ementa, a Portaria trata da formação e das atribuições desses profissionais nos cursos de graduação EaD. Mas a escolha de limitar esse regramento ao ensino a distância revela mais do que uma opção técnica: reflete um viés estrutural contra a modalidade, como se ela exigisse um controle mais rigoroso, enquanto o ensino presencial seguiria dispensado de padrões similares.


Cursos presenciais, por exemplo, também poderiam contar com mediadores, docentes especialistas em conteúdo; além disso, há profissionais que exercem funções combinadas, no EaD e no presencial — mas nada disso é tratado. A omissão da norma não é neutra: cria um regime regulatório assimétrico que reforça a ideia equivocada de que o EaD precisa de um aparato funcional próprio, fora da lógica geral do sistema educacional.


Funções de apoio: “responsáveis” que não deveriam ser


Entre os pontos mais problemáticos estão as funções de apoio às atividades prático-profissionais. O § 3º do art. 3º do Decreto nº 12.456/2025 determina que essas atividades devem ser acompanhadas por supervisor, preceptor ou outro responsável pela condução da atividade, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais.


A redação, no entanto, peca pela imprecisão. Ao empregar a expressão “responsável pela condução da atividade”, o Decreto sugere que esses profissionais substituem o docente, atribuindo-lhes funções pedagógicas plenas que não lhes cabem. Na prática, preceptores e supervisores não conduzem componentes curriculares, mas atuam no treinamento prático complementar. O texto amplia indevidamente suas funções, criando risco de desvio de função, equiparação salarial, insegurança jurídica e desorganização acadêmica.


O mesmo problema se verifica na figura do responsável pelo polo EaD, prevista no art. 6º da Portaria nº 506. Trata-se de um supervisor local que deve, sim, ter algum tipo de vínculo com a mantenedora, mas não exerce função acadêmica. A Portaria, no entanto, o sobrecarrega com tarefas de gestão pedagógica, sem o respaldo técnico ou contratual necessário — o que gera os mesmos vícios de função descritos acima.


Mediadores: entre apoio técnico e atividade docente


A Portaria acerta ao distinguir formalmente o “corpo docente” dos “mediadores pedagógicos”. Essa separação, em tese, evita equiparações salariais indevidas. Porém, ao atribuir aos mediadores tarefas como o acompanhamento de atividades presenciais, práticas, de pesquisa e extensão — atuando sem uma docente ao seu lado —, a norma aproxima esses profissionais das funções docentes.


O risco de enquadramento como professor, nos termos da CLT, é real. O Decreto ainda exige que o mediador possua formação com habilitação legal e esteja registrado no cadastro e-MEC — o que acaba satisfazendo os requisitos do art. 318 da CLT. Diante disso, as IES precisarão delimitar claramente as funções dos mediadores em regulamentos internos ou lutar por convenções e acordos coletivos que façam isso, sob pena de responderem por vínculos empregatícios típicos da docência.


Docentes: funções infladas e sobrepostas


No campo docente, a Portaria divide os profissionais em regentes, conteudistas e coordenadores. É justamente neste ponto que surgem os maiores problemas — sobretudo pela tentativa de padronizar papéis que deveriam ser definidos institucionalmente.


O maior exemplo disso é a figura do coordenador de curso, tratado como docente e encarregado de um conjunto de tarefas que invadem competências institucionais e colegiadas. A Portaria lhe atribui a responsabilidade por assegurar a conformidade das atividades nos polos EaD (art. 3º, I, “h”), o planejamento do percurso formativo, o desenho instrucional e a supervisão de processos avaliativos, entre outras funções.


Essas atividades, na prática, envolvem decisões colegiadas (art. 13 da LDB) ou funções estratégicas exercidas por diretores e pró-reitores. Centralizar tudo isso em um único agente é ineficaz, desorganiza a gestão e ignora os limites hierárquicos e contratuais típicos das IES.


A Portaria ainda omite regra sobre a possibilidade de acúmulo de funções pelo coordenador — ao contrário do que faz expressamente no caso de regentes e conteudistas (art. 3º, § 1º). A ausência pode levar à interpretação equivocada de que o coordenador não pode acumular funções de regência ou produção de conteúdo, o que seria incompatível com as práticas adotadas pelas próprias instituições públicas e privadas.


Já entre os professores regentes, chama atenção a atribuição de responsabilidade sobre equipes como mediadores e técnicos instrucionais, que normalmente não estão sob sua supervisão direta. Essa expansão funcional dificulta o enquadramento contratual e desvia o foco da docência para atividades gerenciais.


Nos conteudistas, o principal ponto de conflito é a “validação de conteúdos e metodologias”, que pode colidir com as funções já atribuídas a regentes e coordenadores. Mais importante, porém, é a questão do vínculo contratual: como autores de material didático, esses profissionais não precisam ser contratados como docentes. Exigir que recebam por número de aulas semanais (art. 320 da CLT), mesmo quando sua entrega é intelectual e com cessão de direitos autorais, é tecnicamente inadequado e juridicamente discutível. O contrato civil, nesses casos, seria mais compatível com a natureza da atividade do que o vínculo de professor.


A questão central: limites legais e segurança institucional


Embora a Portaria esteja formalmente vinculada ao Decreto nº 12.456/2025, ela ultrapassa os limites legais ao interferir diretamente na gestão de pessoal das instituições. O art. 12, II, da LDB é claro: cabe às IES administrar seu corpo técnico e docente. Não se trata de autonomia universitária (que pode ser mitigada), mas de competência administrativa exclusiva das instituições de ensino.


Assim como as IES não podem editar normas gerais sobre cursos — tarefa do Poder Público —, o MEC também não pode definir, por portaria, as funções detalhadas de profissionais contratados pelas instituições. A norma extrapola a regulação da qualidade e avança sobre a gestão, para a qual o Estado não tem competência legal nem operacional.


A tentativa de impor uma estrutura funcional uniforme para o EaD ignora a diversidade institucional, as particularidades regionais e a própria lógica da autonomia pedagógica prevista na LDB. E, ao concentrar responsabilidades estratégicas em figuras como o coordenador, a norma cria um modelo que gera insegurança jurídica e conflitos trabalhistas, sem melhorar a qualidade da formação.


Considerações finais


A Portaria nº 506/2025 parte de uma boa intenção: organizar o funcionamento do EaD e oferecer referências para as IES. Mas erra ao fazê-lo de forma centralizada, detalhista e desproporcional, criando obrigações que ultrapassam a competência regulatória do MEC.


Enquanto não for declarada ilegal, a norma prevalecerá. Por isso, é fundamental que as instituições criem regulamentos internos claros, delimitem responsabilidades com base em sua estrutura e história, e evitem interpretações que reforcem distorções funcionais. Outra medida seria a mudança das convenções e acordos coletivos - ou a criação de novos planos de carreira - para prever, de forma clara, a natureza e o limite de cada categoria, aplicando essas regras a cursos presenciais e EaD, se possível.


Se nada for feito, o próximo passo pode ser a judicialização — não apenas por parte de instituições, mas também de sindicatos e órgãos de controle, diante das inúmeras contradições entre a Portaria, a legislação trabalhista e a própria LDB.

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