No dia 22 de dezembro, já no período de férias forenses, o Min. Gilmar Mendes deferiu em parte uma medida cautelar muito relevante nas ações constitucionais sobre abertura de cursos de medicina – ADC nº 81 e ADI nº 7187. Sua decisão, respondendo a pedidos de associações e de uma Instituição de Ensino de São Paulo, tratou, principalmente, de 3 temas:
Os atrasos e normas criados pelo MEC com potencial de descumprir a ordem judicial de seguimento dos processos administrativos de abertura de cursos de medicina;
A confirmação de que a análise dos processos sub judice deve “levar em consideração o decidido” pelo STF, especialmente em relação ao que foi destacado da Lei do Mais Médicos;
O direito de todas as instituições, inclusive a litigante de São Paulo, em relação à abertura de cursos nos termos da cautelar já concedida pela suprema Corte.
O terceiro tema merece um artigo específico, pois, na prática, a decisão do STF foi estendida a processos anteriores à Lei do Mais Médicos (Lei 12.871/2013). Fato extremamente relevante e inovador, pois as ações constitucionais discutem a lei de 2013. Neste caso, de maneira muito correta, no nosso ponto de vista, foi usada a ratio decidendi da cautelar para tratar situação bastante similar.
Sobre o processo administrativo e os atrasos
Já se passaram quase 100 dias úteis da decisão do Ministro Gilmar Mendes sobre a abertura de cursos de medicina na ADC nº 81 do STF. Foram 96 dias úteis ou 138 dias normais desde aquele agosto de 2023. Naquela decisão, o Ministro deu uma aula de legislação, dizendo que novos cursos de medicina só poderiam ser abertos se fossem chamados pelo Programa Mais Médicos. Por outro lado, os cursos que já tinham começado graças a decisões judiciais e que estavam na fase de papelada podiam seguir em frente.
No entanto, mesmo com tanto tempo passado, nem aqueles que estavam prestes a dar o último passo burocrático conseguiram sair do lugar. O Ministério da Educação (MEC), ou melhor, a Secretaria de Supervisão e Regulação do Ensino Superior (SERES), parece atuar de acordo com suas próprias convicções, ignorando ordens judiciais.
A pergunta que fica é: pode um órgão do Estado desobedecer o próprio Estado? Parece que o STF respondeu a isso na decisão do dia 22 de dezembro de 2023, dizendo "não". O julgado deixou claro que a administração pública tem que trabalhar de forma diligente, cumprindo os prazos estabelecidos, pois o chamado devido processo legal administrativo e a duração razoável a ele inerente também são lei.
Porém, nos últimos anos, o MEC tem tratado os processos administrativos de uma maneira mais peculiar. Ele revogou as próprias regras de prazo razoável só para não deixar que sua inércia, ou seus “atrasos convictos”, aprovassem cursos e instituições. A autorização tacitamente concedida, que é uma norma que garante direitos dos particulares e pressiona a Administração Pública, decorre de lei e vale para todas as áreas, menos para a educação, aparentemente.
A resistência do MEC em seguir os prazos e as decisões judiciais não é novidade. Há uma história longa de atrasos e resistência. Existe, inclusive, uma estratégia de atrasar editais do Mais Médicos ou aprovações de cursos como ocorrido na Portaria 328/2018 (editais) e na Portaria 20141/2023 (cursos EAD). Em ambos os casos, a justificativa foi a criação de um Grupo de Trabalho para análises de contexto, mas os prazos previstos nunca foram cumpridos.
Por isso, muitas vezes, o Judiciário tem que intervir para que o MEC cumpra os prazos e as decisões judiciais. Nos últimos anos, mesmo com governos diferentes, a situação só piorou. Desde 2018, mesmo com ordens judiciais, somente 20 cursos de medicina privados foram autorizados; isto demonstra o quão lento, ou travado, pode ser um processo administrativo no Órgão. Parece que o Ministério, com base em convicções não reveladas, faz de tudo para não deixar cursos de medicina surgirem, o que é prejudicial para a qualidade da saúde pública.
Repercussões dos atrasos
Essa situação levou o STF a intervir novamente, enfatizando a importância de cumprir os prazos e não adiar indefinidamente as decisões. Dentre outros assuntos, o Tribunal se manifestou contra o que classificou como “inércia administrativa permeada por eventuais atrasos injustificados”. Com a leveza de palavras que lhe é peculiar, a Corte parece deixar claro que muitos dos atrasos, na verdade, são obstáculos sem justificativa, algo inaceitável.
Mas fora da Suprema Corte a situação é tão grave que já existem no mínimo 3 processos com multas elevadas e prazos curtos que podem gerar prejuízos para o erário. Essa é uma situação incomum, pois o que se espera da Administração Pública é a atuação conforme a Lei. Exemplos assim podem inclusive estimular a desobediência também pelos particulares e uma quebra da confiança nas decisões judiciais.
Agora, sobre as consequências disso tudo, haverá multa e até mesmo servidores públicos podem ser responsabilizados, em face de prejuízos patrimoniais ou eventualmente por processo criminal. Não importa o motivo, não é aceitável desobedecer ordens judiciais. Crime é uma palavra séria, mas já há decisões nesse sentido sobre casos de servidores públicos que não cumprem as ordens do Poder Judiciário (STJ - HC: 84664 SP 2007/0133662-2 e TRF-1 - AG: 19778 MG 2006.01.00.019778-8) Além disso, existem outras penalidades, como multas e responsabilização por improbidade.
Enfim, o MEC precisa atuar com diligência, cumprindo os prazos e acatando as decisões judiciais. Como um filósofo moderno disse*, "Pratica-se a justiça na medida em que se suspende suas convicções". Talvez seja hora de a SERES/MEC repensar o uso excessivo de seu poder e agir de acordo com a lei e as decisões judiciais, em respeito à sociedade e à justiça.
*HAN, Byung-Chul. O que é o poder. Tradução de Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis: Vozes, 2019, p. 195-6.
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