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A oferta de novos cursos de Medicina como política pública

Atualizado: 14 de jun. de 2022


 

Com os valores finais de 2,4 médicos por mil habitantes, o CFM se orgulha em dizer que o número de médicos é suficiente para o país e compara o status a países como Estados Unidos, que tem índice aproximado de 2,6 médicos por mil habitantes; Canadá, com índice 2,7; e Reino Unido, 2,8.

 

A questão, todavia, não é abordada do ponto de vista prático, pois a distribuição desses médicos é cruelmente desigual e os índices são adequados tão somente nos grandes centros urbanos.

 

O estudo nos mostra isso de forma clara: em estados das regiões Sudeste e Sul e em cidades mais desenvolvidas, a proporção atinge até mais do que 3,5 médicos por mil habitantes, que é a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

 

Enquanto isso, em localidades com até 5 mil pessoas, a relação é de apenas 0,37 médicos por mil habitantes. Apenas em municípios com mais de 100 mil habitantes existem dados que mostram a média de 2,27. Para o CFM, o número de médicos hoje no Brasil é suficiente e o problema está apenas na distribuição.


Mas uma política pública focada em restringir o mercado pode melhorar essa situação? Entendemos que não.

 

Vagas como instrumento de política pública

 

Como vimos, apesar de termos tido um aumento no número de vagas nos cursos de Medicina nos últimos 10 anos, as desigualdades regionais insistem em existir.

 

As regiões Norte e Nordeste contam com apenas 1,30 e 1,69 médicos por mil habitantes, o que é ainda muito pouco: a região Norte, por exemplo, apresenta 8,8% da população do país, mas tem apenas 4,6% dos médicos ativos. O Nordeste, por sua vez, reúne 27,2% da população brasileira e somente 18,4% dos médicos. Enquanto isso, o Sudeste contabiliza mais da metade dos médicos do país (53,2%), que atendem 42,1% da população brasileira.

 

Hoje nós temos problemas em macrorregiões e há também desigualdade entre interior e capital.

 

No nosso entender, é muito simples ponderar que temos muitos médicos formados e que estamos equiparados com números de países em que nos espelhamos. A má distribuição dos médicos também diz muito da má distribuição dos próprios cursos de Medicina. E eles podem ser uma ferramenta de política pública ao serem criados, por exemplo, em regiões carentes de médicos. Esse é o valor do Programa Mais Médicos, hoje suspenso.

 

Por óbvio, não há – pelo menos no contexto em que vivemos - como gerir a vontade dos formandos e determinar o que farão após o diploma, mas uma boa gestão de novos cursos médicos (e expansão de vagas) levaria a melhorias para várias regiões do país, além, claro, de mais médicos.

 

Normalmente, a abertura de editais para a oferta de cursos de Medicina em faculdades particulares, que até agora tem feito parte da política de expansão de vagas por meio do Programa Mais Médicos, é realizada pelo MEC em parceria com o Ministério da Saúde e deve beneficiar municípios que não tem nenhum curso de Medicina na cidade e está a uma certa distância de locais que tenham a faculdade.

 

Isso garante que as faculdades sejam criadas em localidades/regiões em que há poucas vagas, fugindo da concentração que existe no Sudeste e Sul do País. Mas também gera um problema: a falta de concorrência.

 

Escolas de Medicina têm de estar associadas à existência de leitos do Sistema Único de Saúde e de prontos-socorros. Os novos cursos precisam ser sempre vinculados à residência médica., Inclusive. Nesse sentido, existe um legado social da criação de novos cursos para aquela localidade, com novos serviços e novas especialidades, tornando-se um novo núcleo regional de formação médica que atrairá investimentos também em outros importantes setores.


Porém, esse legado depende de investimentos do Poder Público que nem sempre ocorrem e se não houver incentivos concorrenciais, as instituições de ensino também podem deixar de investir.

 

A descentralização na formação dos médicos é muito importante para um país continental como o Brasil, inclusive para atender o direito à educação previsto na Constituição.  Além de hoje existir um grande desamparo aos que desejam se formar e se fixar em suas próprias regiões e somente não o fazem por falta de oportunidades, há aqueles que desejam retornar às suas localidades de origem.


Em paralelo, todavia, a existente de forte concorrência, preferencialmente fundada em qualidade e inovação pode também ser muito importante


Nesse sentido, é importante entender a relevância do Programa Mais Médicos como uma política pública complementar, que descentraliza e cria padrões de qualidade, mas as vagas para o programa não podem funcionar como uma barreira regulatória. De fato, outras políticas públicas assumem esse papel complementar. No caso das cotas de vagas em concursos, outra política de combate a desigualdade, não há, por exemplo, proibição da entrada de pessoas não-cotistas. Portanto, a política de criação de vagas de medicina deve ser pensada de forma mais ampla, sem nenhum demérito para a atuação estatal por meio do Mais Médicos.

 

Qualidade

 

É claro que a qualidade dos cursos deve ser sempre uma prioridade, por isso ela é aferida nos processos de autorização e no procedimento do Mais Médicos; por isso defendemos sempre que muitas, senão todas as Instituições que ofertam Medicina têm ou podem ser incentivadas a ter excelência na oferta de ensino.

 

Como já afirmamos em algumas oportunidades, o problema é que o uso do discurso sobre qualificação como argumento tem servido para validar as restrições de mercado. Se para melhorar a qualidade do ensino bastasse criar barreiras para novos estudantes, deveríamos ter uma forte restrição em vários outros cursos.

 

Falar em qualidade nos cursos de Medicina envolve uma análise de todas as vagas, não só das próximas, mas também das já existentes e isso nem sempre é feito; não são todos os cursos em andamento que são, necessariamente, reconhecidos por sua excelência.


As avaliações periódicas de cursos, previstas no SINAES, são um bom instrumento para isso, assim, como os processos regulatórios com participação do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que avalia a relevância social de todas as propostas de cursos. Contudo, avaliação de entrada para estudantes, nos moldes do exame da OAB, talvez sejam necessárias.


Pensando assim, o legislador redigiu a Lei do Mais Médicos, Lei 12.871/2013, prevendo exames periódicos para estudantes, mas infelizmente a lei foi modificada para mitigar essa exigência. Esse é um erro grave, inclusive porque toda política pública precisa ser monitorada e o exame poderia ser um bom feedback para quem acompanha os resultados do Programa.

 

Enfim, entendemos que novas escolas (e novas vagas) causarão um impacto bastante positivo na rede de saúde local. O sistema de saúde se tornará mais dinâmico e contará com mais médicos e mais professores.

 

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