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Descontos lineares em mensalidades escolares: as ADPFs 706 e 713

A União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte, organização sem fins lucrativos que defende os interesses das escolas particulares, formulando propostas que asseguram o direito da livre iniciativa e da sobrevivência dos pequenos e médios estabelecimentos, realizou um levantamento sobre o risco de falência que essas instituições correm em razão da pandemia da COVID-19. Infelizmente o estudo mostra que praticamente metade delas estão prestes a fechar as portas. Outro dado preocupante é o de que 95% registraram cancelamentos de matrículas para 2021.

Vamos nos lembrar que o isolamento social necessário em razão da pandemia obrigou que as instituições de ensino fechassem suas portas. As aulas foram suspensas por um prazo determinado inicialmente e, quando se previu uma interrupção prolongada das aulas, as instituições particulares cuidaram de continuar a prestação dos serviços educacionais adaptando-se às plataformas de ensino on-line.

Logo após esse momento, pelo menos em Minas Gerais, o Procon recomendou às instituições de ensino conceder aos consumidores um desconto linear pela paralisação das aulas presenciais e indicou como adequada a suspensão dos contratos na Educação Infantil até o término do período de isolamento social.

À época analisamos a proposta do Procon/MG e demonstramos o porquê se equivocaram quando da emissão da nota técnica e explicitamos que iniciativas que buscam interferir nos preços acordados nos contratos, sem uma avaliação criteriosa sobre os impactos sociais deste tipo de medida, podem ter justamente o efeito contrário.

Também apresentamos o parecer dos órgãos de defesa ao consumidor instalados nos demais estados brasileiros; naquela ocasião somente o instituto mineiro posicionou-se naqueles termos, como se pode observar dos textos linkados abaixo.


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Enfim, desde a suspensão das aulas presenciais iniciou-se verdadeira guerra em relação ao tema, com inúmeras ações na justiça deferindo os descontos lineares, como ocorreu com o Colégio Santa Maria. Em decisão liminar, o juiz da 3ª Unidade Jurisdicional do Juizado Especial da Comarca de Belo Horizonte determinou a redução do valor da mensalidade em 25% até o retorno das aulas presenciais, sob pena de multa de R$ 700,00 para cada violação por parte da escola.

Em outros estados brasileiros também houve o ingresso de ações análogas, bem como ações de associações de pais que pleitearam redução de até 50% na mensalidade escolar, desde a data da suspensão das atividades presenciais até o retorno das mesmas.

Também foram publicadas leis em mais de 11 estados e no DF obrigando a aplicação dos descontos, leis já combatidas judicialmente em pelo menos 5 da totalidade dos estados.

Existe, portanto, uma grande insegurança jurídica em relação ao tema, que já chegou à Suprema Corte, que deve julgar em breve duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 706 e 713) com pedido de suspensão de todas as decisões judiciais que concedem compulsoriamente desconto linear nas mensalidades escolares.

Fato que, passados mais de 06 meses da suspensão das aulas presenciais, segundo dados da Federação Nacional das Escolas Particulares, aproximadamente 10% das instituições de ensino infantil já decretaram falência e encerraram as atividades.

A pesquisa da entidade se chama “Megatendências - As Escolas Brasileiras no Contexto do Coronavírus”, tendo sido consultados, entre 13 e 25 de maio, proprietários de 482 colégios do ensino infantil ao médio, que têm entre 150 e 240 alunos e de 20 a 30 professores, localizados em 83 municípios do país, incluindo capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Salvador, Fortaleza, Maceió e Aracaju.

Os resultados mostram o risco de um verdadeiro colapso econômico em 30 a 50% das escolas particulares de pequeno e médio porte, número que se deve à grande redução de receita oriunda de atrasos nas mensalidades, pela inadimplência (desemprego, redução de salário e outras questões financeiras dos pais), mas também pela necessidade de conceder descontos determinados pela justiça ou leis locais.


As instituições de ensino superior passam pelas mesmas dificuldades, havendo previsões de que pelo menos 30% delas fecharão as portas até o final do ano.

As arguições de descumprimento de preceito fundamental n. 706 e n.713

A ADPF é uma das ações que fazem parte do controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, o controle abstrato, concentrado em um único tribunal (o STF), que examina a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo em tese. Não se analisa um caso concreto, mas um ato do Poder Público federal, estadual, distrital ou municipal, normativo ou não. Também é objeto da ADPF a medida judicial, isso quando for relevante o fundamento da controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal.

Cabe ao Supremo o juízo sobre o que se há de entender como preceito fundamental. No caso das ADPFs o requerente aponta a lesão ou ameaça de ofensa a preceito fundamental e este, se reconhecido como tal, permite que a ação sirva de instrumento de defesa da Constituição.

No caso das ADPFs 706 e 713, enfim, foram ajuizadas em junho com pedido de suspensão de todas as decisões judiciais que concediam compulsoriamente desconto linear nas mensalidades das universidades durante a pandemia da Covid-19, nos termos do Parecer 5/2020 do Conselho Nacional de Educação (CNE).

As arguições foram ajuizadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), que representa 130 universidades, centros universitários e faculdades (ADPF 706), e pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), autora da ADPF 713. As duas entidades pediam o deferimento de medida liminar com urgência, devido ao risco decorrente dos descontos obrigatórios em mensalidades, semestralidades e anuidades escolares.

Na ADPF n. 706 os autores discorrem mais especificamente sobre dois graves problemas:

1. O primeiro de cunho legislativo, pois há leis estaduais tratando dos descontos lineares que são claramente inconstitucionais por vício de forma, pelo desrespeito ao art. 22, inciso I, da CR, da competência privativa da União para legislar sobre direito civil. Esse vício já é objeto de ADIs em trâmite no STF (n. 6.423, 6.435 e 6.448);

2. O segundo de base judicial, pois incorre em diversas decisões judiciais dadas em nove Estados brasileiros (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros) ora determinando os descontos compulsórios de mensalidades, ou mesmo a suspensão integral do pagamento, ora negando tais descontos e reafirmando a necessidade de quitação dos valores, o que implica uma controvérsia judicial relevante e nacional.

As ações foram distribuídas à ministra Rosa Weber.

As IES pleiteiam autonomia para negociar

Nas ações as entidades reconhecem os efeitos da pandemia na economia e na renda das famílias e relatam altos índices de inadimplência, atrasos nos pagamentos e evasão escolar. E, já diante desses fatos, argumentam que a imposição dos descontos lineares impede que as IES negociem com os estudantes individualmente, buscando atendê-los em suas necessidades. Alegam que a medida é injusta, pois o desconto compulsório pode beneficiar alguém que não teve perda de renda e ser insuficiente para outro estudante em situação de maior vulnerabilidade.

Também relembram que as instituições vêm adotando o ensino remoto, mantendo todos os compromissos pedagógicos, porém com novos custos com a contratação de plataforma de tecnologia e outros equipamentos, sem redução relevante nos custos operacionais. A maior despesa fixa é o pagamento de professores e de funcionários, que se manteve inalterada.

As entidades representativas de reitores e universidades, portanto, pedem a suspensão das medidas administrativas e judiciais e de leis e projetos de leis estaduais ou municipais que impõem os descontos nas mensalidades.

Tecnicamente, ao final, requerem seja declarada a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que determinem a imposição de descontos compulsórios das anuidades/semestralidades das entidades de educação ou a suspensão de pagamentos dos serviços educacionais sem qualquer fundamentação, por mera presunção de prejuízo ou de desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, sem fundamento ou provas.

Retomada das aulas: complexa, dispendiosa, mas necessária

Ao abrirem suas portas novamente, do infantil ao superior, todas as instituições de ensino terão que investir para cumprir as exigências de protocolos sanitários e pedagógicos, o que inclui uma complexa e dispendiosa reconfiguração do espaço físico e implementação das normas sanitárias e de biossegurança.

Com a execução do sistema híbrido de ensino, uma boa solução na retomada presencial, as despesas serão ainda ampliadas, exigindo das instituições um excelente planejamento organizacional e financeiro.

A situação dessas empresas, enfim, é complexa e exige uma gestão comprometida em garantir que todos os setores tenham suas demandas atendidas e possam funcionar de forma satisfatória. Muitas enfrentarão passivos acumulados de difícil solução e precisarão contar com medidas governamentais eficientes e comprometidas com a causa, sensível e cara a todo o país.


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