Desde sua concepção original, o Programa Mais Médicos previa a abertura de cursos de medicina por duas modalidades. A primeira consistia em editais de chamamento público destinados a regiões com carência de profissionais de saúde, enquanto a segunda contemplava editais voltados a hospitais considerados centros de excelência, que também poderiam oferecer cursos de medicina.
Até 2018, cinco anos após o início do Programa, diversos editais foram lançados para garantir acesso à primeira via, enquanto apenas um foi direcionado para hospitais. A partir de 2023, com a retomada do programa depois de uma moratória controversa, um edital foi aberto para cada modalidade de chamamento público para abertura de cursos.
Para o final de janeiro de 2025, são esperados os primeiros resultados do edital geral, enquanto os frutos do chamamento de hospitais já surgiram. Grandes hospitais tiveram seus pedidos homologados e agora podem solicitar a autorização para oferecer cursos de medicina. O mais recente deles foi o Hospital Moinhos de Ventos, um dos mais importantes do país, que teve sua homologação publicada em 6/1/2025, por meio da Portaria SERES 1/2025.
O chamamento funciona da seguinte forma: o hospital, que deve ser simultaneamente uma unidade hospitalar e uma instituição de ensino superior, solicita sua habilitação e deve comprovar uma série de requisitos. Caso o MEC confirme o cumprimento de todos eles, é emitida uma portaria que homologa a habilitação e permite que o requerente protocole – em até 45 dias – o pedido de autorização para abertura do curso. Assim, o processo inclui uma fase pré-processual seguida pelo procedimento regular de autorização de curso.
Apesar do sucesso da fase inicial, agora há expectativa sobre como será o “fluxo regular” dos processos regulatórios na SERES. A portaria de homologação estabelece que eles devem passar por todas as etapas, porém remete aos “termos do item 1.3, em conjunto com o item 8.2, do Edital nº 5/2024”, que não tratam de todas as fases. Na realidade, não está claro, principalmente, qual será o instrumento de avaliação, se haverá ou não parecer do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e qual será o padrão regulatório para eventual deferimento do curso e definição do número de vagas.
O instrumento de avaliação é um documento padronizado usado para balizar a visita da comissão de especialistas. É um roteiro com indicadores e critérios pré-definidos. Para os hospitais, ele deveria ser o mesmo dos demais cursos superiores, afinal já existem ali todos os indicadores necessários para a verificação de qualidade de cursos como o de medicina. Entretanto, o edital menciona “Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação de Medicina” (item 8.5, grifamos) e não há, hoje, um instrumento de avaliação específico para o curso.
A participação do Conselho Nacional de Saúde é outro ponto duvidoso. Sobre a atuação do CNS, há, inclusive, determinação da Justiça Federal na ação civil pública nº 1007452-92.2022.4.01.3400, movida pelo Ministério Público. Neste caso, que tem efeito em âmbito nacional, o Poder Judiciário entendeu ser necessário o parecer opinativo do Órgão, mesmo no caso do Programa Mais Médicos.
Por fim, a respeito do padrão decisório, pode haver alguma polêmica. Primeiramente, porque ele não é dispensável; ou seja, não basta que o edital estabeleça que as Instituições de Ensino devem ser avaliadas in loco com o conceito 4, nos termos do item 8.5 do instrumento convocatório. O Decreto 9.235/2017 e a Portaria Normativa 23/2017 exigem o padrão definido em ato normativo, e o conceito, por si só, não basta. Em segundo lugar, porque o próprio MEC, em diversas ações judiciais, afirma que não existem regras vigentes para medicina. Com base nesse argumento, inclusive, o Órgão criou a Portaria SERES/MEC 531/2023, mas ele explica que esta norma só é aplicável aos processos administrativos judicializados e validados pelo STF. Portanto, não existe padrão decisório para autorização de cursos de medicina em hospitais.
Sem o padrão normativo, não se sabe, por exemplo, qual será o número de vagas deferido para cada curso. O edital só diz que ele “dependerá da estrutura de equipamentos e programas disponíveis na unidade hospitalar (…) e da estrutura de equipamentos públicos e programas de saúde do SUS”, mas não há uma definição – um padrão decisório – para a atribuição efetiva das vagas.
De fato, há uma obscuridade no edital, pois no item 2.1 existe uma exigência de habilitação que se refere a “número de leitos SUS disponíveis maior ou igual a cinco por vaga autorizada” (alínea “d”) e outra que menciona “mais de quatrocentos leitos próprios” (alínea “h”). Considerando a proporção de 1 vaga para cada 5 leitos, 400 leitos seriam exatamente o mínimo necessário para as 80 vagas previstas no edital. Contudo, em tese, segundo a alínea “d”, todos os leitos deveriam ser credenciados pelo Sistema Único de Saúde. Portanto, precisa ser esclarecido qual seria o peso dos leitos próprios não-SUS, ou seja, dos leitos particulares. Da nossa parte, entendemos que eles são tão relevantes para treinamento quanto os do sistema único.
Além destes, que agora se tornam relevantes, outros problemas ainda aguardam solução. Alguns deles afetam diretamente instituições que ainda não se habilitaram.
A vedação injustificada a consórcios e parcerias precisa ser revisada, sob o risco de excluir, por exemplo, Santas Casas e Instituições de Ensino com foco na área de saúde e medicina. A exigência de um único CNPJ, decorrente dessa restrição, pode gerar futuros problemas relacionados a isenções e imunidades, como discutimos anteriormente. Esse cenário destaca a necessidade de aperfeiçoar as regras, inclusive para instituições já habilitadas.
Até o momento, o processo tem mostrado resultados positivos. Hospitais de excelência já estão habilitados e com processos regulatórios em andamento, embora ainda existam falhas que precisam ser corrigidas. Felizmente, há tempo para ajustar esses pontos.
De forma geral, o panorama é otimista. E o MEC já merece reconhecimento por retomar o andamento do Programa Mais Médicos, promovendo também a abertura de novos e qualificados cursos de medicina.
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