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O coronavírus e as atividades das escolas de educação básica

Atualizado: 1 de abr. de 2020

Desde o dia 11 de março de 2020, quando a COVID-19 foi declarada pandemia, todas as instituições escolares – da educação básica à superior - começaram a se movimentar no sentido de afastar seus alunos do convívio físico diário a fim de protegê-los do iminente contágio do vírus.


As IES foram as primeiras a se manifestar, suspenderam as aulas e em grande medida estão operando a distância.


Leia nossos artigos:




Pela experiência chinesa e agora europeia, crianças se contaminam como os demais indivíduos, porém grande parte não apresenta sintomas. Adolescentes são mais suscetíveis que as crianças, mas ainda não estão em grupo de risco. O afastamento das escolas destes dois grupos etários – impedindo a aglomeração diária - significa um controle na expansão da contaminação da comunidade. Apesar de serem mais resistentes, podem ser vetores de transmissão, prejudicando sobremaneira os mais idosos e demais pessoas em grupo de risco.


Diante deste quadro, vários estados suspenderam as aulas nas escolas de educação básica, dentre eles Minas Gerais, após a criação, via decreto, de Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde do COVID-19, ampliando as ações de prevenção e combate ao coronavírus em órgãos e entidades da administração estadual.


O Comitê, então, em um primeiro momento, decidiu pelo recesso escolar, suspendendo as atividades nas unidades de ensino dos dias 18 a 22 de março. Posteriormente, decidiu pela paralisação por tempo indeterminado. A rede particular seguiu as recomendações iniciais de tempo de paralização, estendido por decisão liminar do TRT, a pedido do Sinpro MG (Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais), que representa os docentes da rede privada no Estado.



A interrupção das aulas, de qualquer forma - para todos - tende a continuar, isso a exemplo dos países que estão lidando há mais tempo com as questões decorrentes da pandemia. Neste caso, como ficarão as atividades escolares de educação básica, que incluem a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio?


Em 2009 tivemos a pandemia de gripe suína, causada pelo vírus H1N1. A OMS elevou o status da doença em junho de 2009, depois de contabilizar 36 mil casos em 75 países. Naquele momento, alguns entes federados brasileiros adiaram o início do semestre letivo, tendo em vista que o período era mais propício ao contágio.


A Secretaria de Educação Básica do MEC, então, consultou o CNE para que esclarecesse e orientasse os sistemas de ensino em todo o país sobre a questão do cumprimento ou não do calendário escolar, com vistas a garantir a tranquilidade de toda a comunidade escolar, principalmente dos municípios que foram mais atingidos pela epidemia da gripe.


Naquele ano, Secretarias de Educação, professores, alunos e pais estavam preocupados com os efeitos da suspensão de aulas e o consequente adiamento do início do semestre letivo em algumas localidades. Em 2009 estávamos diante de um adiamento das aulas; por ora, agora em 2020, as aulas da educação básica foram suspensas e não se sabe ao certo quando poderão ser retomadas.


Quando da pandemia do H1N1 a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) solicitou apoio do CNE à proposta de que, excepcionalmente, naquele ano de 2009, o calendário escolar assegurasse as 800 horas, sem, necessariamente, precisar atingir os 200 dias letivos, conforme dispõe o artigo 24 da Lei nº 9.394, de 1996.


Desta maneira, de acordo com a CNTE, se garantiria a efetividade da reposição dos conteúdos programáticos que historicamente ficam comprometidos quando realizados em períodos de férias. Alegaram também que seria uma oportunidade de protagonizarem a autonomia pedagógica das escolas (artigo 15 da LDB), no sentido de coordenarem a reposição das aulas de acordo com as realidades locais e tendo como base o disposto no artigo 23, § 2º da LDB.


Naquela ocasião, a Câmara de Educação Básica não decidiu unanimemente. Um Conselheiro se absteve, a Conselheira Maria Izabel Azevedo Noronha votou pela possibilidade de redução dos dias letivos, de maneira excepcional, e os Relatores Cesar Callegari e Mozart Neves Ramos, em acordo, decidiram por manter os ditames da lei.


O voto vencedor foi baseado na lei e nos pareceres anteriores emitidos pelo Conselho Nacional de Educação. Cita os artigos 24 e 34 da Lei nº 9.394/96:

Art. 24. A Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver; (...)
Art. 34. A jornada escolar no Ensino Fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola.

Menciona também manifestações anteriores do Conselho Nacional de Educação, consubstanciadas na Resolução CNE/CES nº 3/2007 e nos Pareceres:


  • CNE/CEB nº 5/97;

  • CNE/CEB nº 12/97;

  • CNE/CEB nº 1/2002;

  • CNE/CEB nº 38/2002;

  • CNE/CEB nº 10/2005;

  • CNE/CES nº 261/2006;

  • CNE/CEB nº 15/2007;


Tanto a Resolução quanto os pareceres são enfáticos em cumprir de maneira literal a legislação, definindo que a carga horária mínima anual de oitocentas horas e a duração mínima do ano letivo, de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado para exames finais, constituem um direito dos alunos e que não podem ser reduzidas.


Como dissemos, neste Parecer que pode servir de parâmetro para resolvermos as questões trazidas pela suspensão das aulas neste ano de 2020, em razão de grave pandemia, tivemos um voto contrário, vencido, da Conselheira Maria Izabel Azevedo Noronha.


Ela se posicionou relatando que, apesar da cogente disposição da norma, uma lei não existe isolada em um sistema normativo:


“Uma lei decorre de outra, cumpre finalidades, e com outras normas, tanto normas que lhe são superiores como normas que lhe são inferiores, se comunica. Não há dúvida de que a norma destacada – o inciso I do artigo 24 da LDB – possui a finalidade de conferir à população discente um direito: o aluno, aquele que frequenta o Ensino Fundamental ou Médio, possui o direito de exigir os mínimos em horas e dias ali fixados, sem dúvida, e quanto a isso não há discussão.
Esse direito, no entanto, não é indisponível, ou seja, o aluno pode abrir mão dele, tanto que possui o direito, fixado nos regimentos internos das escolas, a um determinado número de faltas sem que isso implique em sanções acadêmicas. O que vale é que aquele mínimo de horas e de dias está ali para ser exigido. Há, no entanto, para alunos e não alunos, para os cidadãos brasileiros de um modo geral, um direito fundamental, preservado pela nossa norma maior, a Constituição Federal, que é o direito à vida, isso estabelecido no caput do artigo 5º da Constituição Federal...” (trecho do voto vencido no parecer CNE/CEB Nº: 19/2009).

Vamos nos lembrar que na ocasião do Parecer 19/2009 estávamos diante de uma pandemia grave: a gripe A H1N1 chegou no Brasil em maio de 2009, quando foram registrados 20 casos da doença em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. Pouco mais de um mês da pandemia, no final de junho, 627 pessoas em todo o país estavam contaminadas com o vírus. A primeira morte aconteceu no Rio Grande do Sul.


No caso do COVID-19, vivenciamos uma situação ainda pior. Em 11 de março de 2020 a OMS alçou a doença a pandemia; antes de completar uma semana, no dia 17 de março, o Estado de São Paulo já havia registrado a primeira morte no Brasil. Pelo menos no Estado de Minas Gerais as aulas na rede pública foram suspensas desde o dia 18 de março, sem qualquer previsão de retorno.


Pelos quadros dramáticos que vêm se desenhando em países europeus, existem grandes chances de a suspensão das aulas continuar por um grande período – tanto em escolas públicas quanto nas particulares - justamente porque a mais importante política de resolução da crise é o isolamento social.


Neste ponto, temos:


  • a lei exigindo carga horária mínima anual de oitocentas horas e a duração mínima do ano letivo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar;

  • um finito número de dias no ano; e

  • a necessidade premente de isolamento social, que, pela experiência ordinária, vai se estender por um longo período.


A princípio, de acordo com a situação pela qual outros países estão passando, resta impossível o cumprimento da norma, sendo plausíveis os argumentos trazidos pela Conselheira Maria Izabel Azevedo Noronha em seu voto vencido.


A Conselheira frisa que o aluno é o destinatário do direito consagrado no inciso I do artigo 24 da LDB e que este direito não pode se transformar em um problema. Que a questão analisada sob ponto de vista do professor não é menos complicada e que a suspensão das aulas ocorreu em decorrência de um fato da natureza, sobre o qual não se tem nenhum mecanismo de controle. Mesma situação de agora, com a pandemia da COVID-19.


Fato que, ao que nos parece, neste ano de 2020 não haverá qualquer possibilidade de que as aulas das redes particular e pública sejam repostas em sua totalidade, de forma que, na mesma linha de pensamento da Conselheira, o direito se transformaria em ônus, o que, nas linhas do voto, “não é o desejo contido na LDB”.


“Há, portanto, um único direito concreto que se buscou preservar com a suspensão das aulas, qual seja, o direito sagrado e universal à vida. Quando se confronta esse direito com o direito que está escrito no artigo 24, I, da LDB, em primeiro lugar, por um entendimento inquestionável, é a salvaguarda da vida que prevalece. Se, para alguém, o direito natural à vida não pode ser defendido por convicções filosóficas e humanitárias quando a questão envolve o exame legal, ainda assim, no confronto da regra contida no inciso I do artigo 24 da LDB com aquela que vai alocada no caput do artigo 5º (direito à vida) prevalece a segunda, porque a Constituição Federal é norma máxima, contra a qual não se pode invocar qualquer norma que lhe seja inferior.
Ainda que se busque a análise da lei, é forçoso que se reconheça a existência do motivo de força maior, previsto na lei civil e na lei penal, como excludente de ilicitude e, se assim o é, há que se reconhecer que a força indomável da natureza, a pandemia pela qual passa o país, exclui a necessidade do cumprimento dos 200 (duzentos) dias letivos anuais e de 800 (oitocentas) horas, como uma necessidade, um direito absoluto do aluno, o que permitiria a reorganização desse tempo em outros números de dias.” (Trecho do voto vencido, proferido pela Conselheira Maria Izabel Azevedo Noronha, à época da pandemia de H1N1 - Parecer , à época da pandemia de H1N1 - Parecer CNE/CEB Nº: 19/2009)

Vivemos hoje uma situação sem precedentes, não só no Brasil mas em todo o mundo. Finalizadas as restrições de convívio, precisaremos encontrar uma solução.


Caso ainda tenhamos a chance de completar os 200 dias letivos, que a solução não seja apenas para criar um efeito enganoso de reposição de aulas. Caso sejam impossíveis os 200 dias letivos, que ao aluno seja assegurado o aproveitamento dos conteúdos curriculares, dentro do projeto político-pedagógico da unidade escolar, autorizando-se aos Estados-membros e seus Municípios a definição das melhores medidas.


Por fim, à época do parecer a questão era se utilizaríamos finais de semana e períodos de férias como tempo de reposição. Hoje, com a situação bem mais agravada, sequer sabemos quando as aulas poderão ser retomadas, o que modifica o cenário e exige novos posicionamentos.


A razão da eventual exceção nos 200 dias letivos - a pandemia da COVID-19 - é motivo de força maior que não pode ser desprezado.


O Conselho de Educação do Estado de Minas Gerais emitiu nota solicitando a compreensão e colaboração de todos neste momento atípico e emergencial e informa que, na medida em que diretrizes forem emanadas dos Poderes Executivo e Judiciário, cuidará para adequar a normalização do Sistema de Educação de Ensino. Na mesma nota, torna sem efeito a publicação da Instrução Normativa 01/2020 de 19 de Março de 2020.


Informações complementares


Confira aqui, na íntegra, a Medida Provisória nº934, do dia 01º de abril de 2020, que estabeleceu normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

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