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Edgar Jacobs e Juarez Monteiro

Superendividamento em contratos educacionais

Há vários anos tramitava no congresso nacional um projeto de proteção de consumidores superendividados. A Lei 14.181 foi publicada em julho de 2021, incluindo regras novas sobre o tema na legislação brasileira, notadamente no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Essa norma afetará várias relações jurídicas vigentes, dentre elas as relações estabelecidas por meio de contratos educacionais.


O projeto tinha o desafio inicial de definir bem o que seria o superendividamento e quais seriam os casos nos quais esse fenômeno mereceria proteção jurídica.


No novo Capítulo VI-A, introduzido no CDC, está dito que:


“Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

O núcleo essencial do conceito aparentemente é simples, uma questão matemática: o débito maior tem que ser maior que patrimônio ou receita. Todavia, o assunto carrega questões complexas, tais como a delimitação do patrimônio/receita disponível das pessoas.


A delimitação do patrimônio/receita é feita a partir de outro conceito: o “mínimo existência”. Essa expressão ficou em aberto na reforma do CDC, mas já é tratada na literatura de Direito Civil e de Direito Constitucional, bem como pela jurisprudência do STF, onde surgiu, originalmente, da contraposição entre orçamento público e financiamento de direitos sociais, da clássica discussão sobre a “reserva do possível” (ADPF 45/2004). Paralelamente, é importante dizer que mínimo existencial ou patrimônio mínimo é o conjunto de recursos necessários para que a pessoa tenha uma existência digna.


As duas informações postas são relevantes para evidenciar que o mínimo existencial equivale a dimensão objetiva da dignidade da pessoa humana e que foi inicialmente tratado no STF como obrigação do estado.


Dignidade humana tem uma dimensão subjetiva, que pode ser resumida no direito da pessoa nunca ser tratada como coisa, mas também tem uma dimensão objetiva, que concretamente exige condições econômico-financeiras para viver. É por isso que tanto a honra quando a moradia são faces da dignidade da pessoa humana, tão inseparáveis quanto dois lados de uma moeda. Vida digna, portanto, exige um patrimônio e receitas mínimos.


Historicamente essa questão foi contraposta à necessidade do estado financiar o bem-estar de seus cidadãos; em suma, dizia-se que mesmo existindo recursos finitos - reserva do possível - o Estado não poderia se furtar de garantir os direitos fundamentais que compõem o núcleo do “mínimo existencial”.


Agora, com a norma sobre superendividamento, a proteção ao mínimo existencial estende-se de vez às relações jurídicas privadas.


Nos contratos educacionais a questão do mínimo existencial já estava de certa forma abordada por meio da Lei 9.870/1999, que impede o afastamento do estudante durante o semestre letivo e veda sanções pedagógicas. Porém, a questão do superendividamento vai além disso.


A nova norma atinge, principalmente, uma estratégia de financiamento que cresceu na última década: a concessão de crédito para os estudantes. Foram criadas exigências mínimas para publicidade dos contratos de crédito, que obrigam as IES a analisar e eventualmente rever suas estratégias. No quadro abaixo resumimos o que pode e não pode ser feito nessas condições.



Além disso, tem fim um debate que tentava separar contratos educacionais e fornecimento de crédito, uma discussão que houve inclusive aos contratos do FIES. Fica evidente agora que “são interdependentes o contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito” (Art. 54-F, adaptado). A consequência disso, em suma, é que rescisão do contrato educacional implica em rescisão do contrato de crédito e que falhas na execução nos contratos educacionais impactam nos contratos de crédito que lhes são conexos. Esta alteração muda, inclusive, a relação com as empresas de cartão de crédito usadas para pagar mensalidades.


Por fim, há um novo obstáculo à cobrança de dívidas: a possibilidade do consumidor criar um processo de repactuação de dívidas que envolve todo os seus credores, um processo similar a recuperação judicial das empresas.


Essa é a descrição básica do impacto da norma que mudou o CDC e trouxe para discussão o tema do superendividamento. Além disso, será necessário tratar também das limitações dessas novas regras, que, em tese, não se aplicam a consumidores de má-fé, bem como observar efeitos positivos, como o incentivo à educação financeira.


Enfim, existe um assunto novo para quem gere os contratos educacionais, uma questão que precisará ser bem administrada pelos gestores educacionais e tecnicamente abordada pelos operadores do direito.


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