Já faz um bom tempo que estamos vivenciando um imbróglio acerca da abertura ou não de novos cursos de medicina no país e o STF está discutindo a questão. Em junho de 2022 duas ações foram distribuídas na Corte – a ADC 81 e a ADI 7187 -, ambas sobre a Lei 12.871/13, mais especificamente o seu artigo 3º, que criou o chamamento público para os cursos de medicina. A propósito, as duas ações são relatadas pelo Ministro Gilmar Mendes.
As ações foram propostas em junho de 2022 e, em outubro do mesmo ano, houve audiência pública e pedido de informações. A primeira cautelar, em plenário virtual, foi proferida em agosto de 2023, quando se confirmou a legalidade dos chamamentos públicos e se propôs uma modulação, o que seja: “uma técnica de adequação do regime jurídico [...] à nova realidade jurídica delineada pela Corte” (re 574.706).
Nesta ocasião, o Art.3º da Lei 12.870/12 foi considerado constitucional, sendo proposta uma modulação de feitos que prevê três diferentes situações.
a primeira modulação atesta a validação de todos os processos de autorização com portaria emitida e cursos implantados.
a segunda afirma que deveriam ter seguimento e ser avaliados de acordo com a Lei 12.871/13 todos os processos que ultrapassaram a fase de análise e documentos e
a terceira modulação determina que os processos que não tiveram documentação avaliada deveriam ser sobrestados e depois extintos.
Ainda no mês de agosto de 2023 a cautelar monocrática foi submetida ao referendo do plenário virtual e os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber divergiram do relator. A divergência foi justamente em relação à modulação, que entenderam dever ser mais restrita, mantendo apenas os cursos com portaria.
O Ministro Luiz Fux, após um curso período de vistas, acompanhou o relator e o Ministro André Mendonça pediu vistas, suspendendo o julgamento no final do ano.
Paralelamente, em novembro, uma instituição de ensino questionou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que não aplicou a primeira cautelar. Enquanto isto, os amici curiae intervenientes nas ações do STF questionaram a omissão e os obstáculos criados pelo MEC em relação à matéria.
E com toda a razão, pois a conduta do Ministério da Educação vem chamando a atenção, sendo mencionada, inclusive, em pesquisa específica sobre o tema, como adiante iremos mostrar.
Continuando, a segunda cautelar foi proferida em 22 de dezembro de 2023 para julgar a questão do não cumprimento da primeira. Nesse contexto, também foi analisada a Portaria Seres 397/23 e foi determinado que o MEC respeitasse e cumprisse o contraditório e a razoável duração na análise dos processos.
No mesmo dia, a Secretaria de Supervisão e Regulação do Ensino Superior (SERES), dando a entender que atua de acordo com suas próprias convicções - ou seja, ignorando ordens judiciais - publicou a Portaria SERES 531/23, incluindo um limite para as vagas dos cursos pendentes de análise, impondo-o retroativamente. Esta norma foi alvo de novo pedido cautelar, um terceiro pedido.
Agora, em fevereiro de 2024, tivemos outro Plenário Virtual e o julgamento da primeira cautelar foi retomado: o Ministro André Mendonça decidiu pela criação de um grupo de trabalho, a suspensão dos processos administrativos e a validação das portarias. Em seguida, o Min. Alexandre de Moraes pediu vistas e o Min, Dias Tóffoli, em voto antecipado, aderiu às teses do Relator.
Até então temos:
No mérito: 5 x 1
5 votos a favor da constitucionalidade do art.3º da lei 12.871/13 e 1 voto sugerindo a criação de um Grupo de Trabalho por 180 dias;
Na modulação: 3 x 2 x 1
3 votos pela modulação mais ampla, incluindo os processos em andamento;
2 votos pela modulação mais restrita, excluindo os processos em andamento;
1 voto para suspender os processos em andamento e validar as portarias.
A expectativa é que o processo seja devolvido do pedido de vistas em, no máximo, 90 dias e seja analisada a última cautelar requerida.
Leia:
Impasses do Ministério da Educação
Somente após um período de 5 anos e meio o MEC reabriu a possibilidade de protocolo de pedidos de aumento de vagas em cursos de medicina; de 2018 a 2023 as instituições de ensino somente conseguiram ampliar as vagas obtendo liminares específicas.
Ao mesmo tempo o Órgão se dispôs a retomar a política de editais de chamamento público. Isso deveria acontecer em setembro, mas depois de reiterados atrasos o certame foi remarcado para março.
O interessante é que o próprio MEC, após a autorização de abertura de novas vagas, já em outubro de 2023, se manifestou sobre a necessidade de que, nos próximos dez anos, o Brasil oferte aproximadamente 10 mil novas vagas em cursos de graduação em medicina para alcançar a média da OCDE, uma proporção de 3,3 médicos por mil habitantes.
Porém, apesar da declaração e ainda que várias decisões judiciais impusessem a conclusão de novos processos de autorização de medicina, a começar pela decisão cautelar do Ministro Gilmar Mendes, o Ministério optou deliberadamente por não concluir nenhum.
Pesquisa apresentada em fevereiro deste ano pelo Bank of America, setor Educação e Treinamento da América Latina e publicada sob o título original Medicine regulation: this week’s decision in Supreme Court could be disruptive, demonstra bem como o Ministério da Educação tem sido visto pelos observadores independentes, pesquisadores do tema.
Eles concluem que a decisão da Suprema Corte pode permitir as vagas necessárias nos cursos de medicina, muitas por meio de decisões judicais, e entendem que, se assim se der, o MEC poderá tentar adotar regras ainda mais restritas sobre sua avaliação, com a finalidade de conter o aumento da oferta fora do Programa Mais Médicos.
Concluir que o Ministério da Educação provavelmente procurará adotar parâmetros desproporcionais para limitar ou atrasar a maioria das aberturas de novas vagas é preocupante.
É bom frisar que partimos da premissa de que, em qualquer caminho escolhido pelas instituições de ensino, a análise das condições de oferta deve ser criteriosa e bem feita pelo MEC, isso para que as vagas sempre sejam autorizadas para cursos que efetivamente demonstrem qualidade.
O problema é fazer diferença em relação a via utilizada para iniciar o processo de autorização e manejar os parâmetros com a finalidade específica de limitar ou atrasar aberturas de novas vagas. Se o objetivo é ter criar cursos com qualidade, os parâmetros devem ter esse objetivo único: autorizar bons cursos. Não deve ser feito nenhum parâmetro desmensurado e usado apenas para atrasar e restringir novos cursos.
E, de todo modo, dado que existe uma cautelar que preserva, inclusive, as regras principais do Mais Médicos, não é necessário esperar o fim do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Basta cumprir a decisão existente com ponderação e espírito republicano.
Enfim, como já nos manifestamos em outras ocasiões, há várias restrições ilegais cercando as novas vagas de cursos de medicina. A melhor maneira de solucionar isso não é criando entraves e moldando um sistema desigual ou casuísta. O melhor é, sempre, cumprir os princípios jurídicos e, por óbvio, as decisões judiciais.
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